60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 5. História - 1. História da Cultura

ALIMENTAÇÃO E SOCIEDADE:A VILA DE SÃO PAULO SÉCULO XVII

Rafaela Basso1
Leila Mezan Algranti1, 2

1. IFCH - UNICAMP
2. Orientadora


INTRODUÇÃO:
A alimentação é uma das necessidades básicas da humanidade e, por ser intrínseca à própria existência do homem, o acompanha desde os tempos mais remotos. Sendo assim, “desde a Antiguidade pode-se dizer que a alimentação vem sendo objeto de atenção e conhecimento. De um lado, a necessidade inescapável de ingerir alimentos para manter a vida, e de outro, a enorme variedade de escolha neste processo que permitiram sem dúvida perceber um conjunto de fenômenos prenhe de implicações”. Isso porque os significados que a alimentação encerra vão além das necessidades biológicas, compreendendo uma gama de significados sociais, políticos, religiosos, estéticos, etc. Diante disso, a alimentação se torna um campo fértil e promissor para a História e vem sendo abordada como objeto de estudos nesta área, desde o início do século passado. Entretanto, somente com as propostas de renovação da Escola dos Annales, na década de 60, é que a história da alimentação adquiriu uma fisionomia própria e se consolidou enquanto um campo especializado de pesquisa. Deve-se ressaltar que o interesse por este objeto está diretamente vinculado aos estudos que surgiram com a criação do conceito de vida material pelo historiador Fernand Braudel. Para este historiador, a economia das sociedades possui duas esferas: A primeira, situada num plano mais acessível, é denominada de economia de mercado, onde se desenvolvem os mecanismos de produção e troca. Já a outra, denominada de vida material, está situada numa zona de opacidade, muito mais difícil de ser apreendida, devido principalmente a carência de documentação histórica. É nessa esfera que se encontra as atividades mais elementares à sobrevivência humana, como a alimentação, a habitação e o vestuário. A vida material, desta forma, relaciona-se aos hábitos, às práticas e às escolhas longínquas e seu estudo se apresenta como fundamental para aqueles que pretendem entender as ações do homem em seu meio e a sociedade como um todo. Observamos então que a alimentação ocupa um papel de destaque na produção e reprodução da vida material das sociedades, possuindo, por isso, “aspectos vinculados à história econômica, no que tange à produção, distribuição, estocagem e consumo de produtos; à história social, na abordagem da estratificação social nos acessos aos produtos e na constituição de hierarquias e identidades sociais e também, à história cultural, tanto no que diz respeito aos aspectos especificamente culinários, como nos significados mais abrangentes dos usos dos alimentos” Tendo em vista tal idéia de que é possível apreender, a partir do enfoque da história da alimentação, um multiplicidade de aspectos uma sociedade, conduzimos nossa pesquisa visando nos aproximar de alguns aspectos da vida econômica e sociocultural da vila de São Paulo no século XVII, tais como, o intercâmbio cultural com os indígenas e a agricultura de abastecimento, buscando de maneira mais específica, entender a importância que o complexo do milho teve para aquela sociedade. Visou-se ainda traçar um panorama dos hábitos e das técnicas alimentares dos habitantes de São Paulo a fim de compreendermos melhor as trocas culturais que ocorreram entre os saberes europeus e indígenas neste domínio. O século XVII foi escolhido, pois a vila de São Paulo encontrava-se em um período de desenvolvimento econômico motivado pelas bandeiras, que através das atividades de apresamento, trouxeram do sertão braços indígenas com o intuito de atender às necessidades da produção e do comércio agrícola que estavam em pleno desenvolvimento. Ademais, um outro motivo que nos fez escolher tal período, foi que nele o significado da presença indígena não estava limitado somente à esfera econômica. Na verdade, sua presença marcou profundamente a vida social e cultural daquela sociedade, deixando marcas também na cultura alimentar.

METODOLOGIA:
O método de enfoque da história da alimentação pode ser divido em diversas abordagens: como a econômica, a social e a cultural. Neste contexto, para que nossa compreensão histórica da realidade paulista contenha múltiplas facetas desta sociedade, ao invés de escolhermos apenas uma abordagem, contemplaremos em nossa pesquisa as três abordagens acima citadas. As fontes que utilizaremos em nossa pesquisa serão: os inventários e testamentos, as atas da câmara de São Paulo e algumas crônicas da época, todas compreendendo o período do século XVII. No primeiro semestre de trabalho conduzimos nossa pesquisa tendo em vista a realização da leitura e do fichamento das obras mencionadas no levantamento bibliográfico. No primeiro bimestre, buscamos entender como é possível apreender a partir das práticas alimentares, aspectos econômicos e socioculturais de uma sociedade. Para tanto, realizamos a leitura, o fichamento, bem como a análise de obras sobre História da alimentação e sobre a alimentação no Brasil. Nesse período, iniciamos nosso contato com a historiografia paulista sobre o século XVII, nos dedicando ao estudo da agricultura de abastecimento e da importância que a presença indígena teve para aquela sociedade. Em seguida, no segundo bimestre, prosseguimos o trabalho com a historiografia paulista, enfatizando o estudo de obras mais recentes. No último bimestre, lemos as obras que tratavam de alguma forma, sobre a cultura alimentar paulista e sobre o milho. Através desse trabalho com a bibliografia, buscamos nos aproximamos do papel que a alimentação tinha naquela sociedade.Neste contexto acabamos privilegiando em nossa pesquisa, o estudo da agricultura de abastecimento e da presença indígena, pois acreditamos que estes dois itens são esclarecedores da relação íntima entre alimentação e vida social, o que acabou de fato sendo confirmado. Já o segundo semestre de pesquisa foi dedicado ao levantamento das fontes primárias e ao início do trabalho com as mesmas. Num primeiro momento, buscando trabalhar numa esfera da cultura alimentar mais pública, iniciamos o trabalho com as Atas da Câmara Municipal. Num segundo momento, trabalhando num plano mais da vida privada, nos dedicamos à leitura e ao fichamento do livro, Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus da Província do Brasil , escrito pelo padre Manoel da Fonseca, em 1752. Ainda trabalhando na esfera privada, iniciamos nosso trabalho com os Inventários e Testamentos. Nesse período, trabalhamos as informações de 23 documentos, presentes nos volumes 41, 42, 43 e 45 da documentação publicada. Deve-se ressaltar que através deste contato inicial, devido à riqueza de informações que as fontes encerram, sentimos a necessidade de aprofundar um recorte cronológico, para facilitar a organização e a análise das informações coletadas. Dessa forma, o período escolhido foi a década de 50, pois nessa época, tanto a agricultura de abastecimento como também a presença indígena se fizeram marcantes.

RESULTADOS:
Através do cruzamento entre as informações presentes na pesquisa bibliográfica e documental nos aproximarmos da sociedade paulista bem como se suas práticas alimentares. Através desse trabalho, nos aproximamos do papel que a alimentação tinha naquela sociedade. Ela fazia-se presente em todas as esferas da vida social, marcando definitivamente sua dinâmica. No plano dos hábitos e práticas alimentares, , pôde-se também chegar mais próximo não só dos gêneros alimentícios que eram cultivados, mas, principalmente, daqueles que eram consumidos na região. No que tange aos alimentos que se destinavam ao consumo local, destacaram-se as carnes de boi e de porco, os peixes , a farinha, tanto a de guerra como a de trigo, o milho, as frutas, os legumes e verduras, ao lado da aguardente e do vinho. Além de indicar alguns usos dos alimentos, nossa pesquisa ofereceu indícios para visualizarmos as trocas culturais que ocorreram entre os produtos e hábitos alimentares europeus e aqueles utilizados e transmitidos pelos naturais da terra. Acreditamos que essas trocas foram mais acentuadas na região do planalto do Piratininga, devido à grande presença indígena advinda das atividades apresadoras dos paulistas. Os índios capturados no sertão eram empregados nas mais diversas atividades no planalto, desde a produção agrícola, até mesmo em tarefas domésticas, inclusive naquelas relacionadas à culinária. Percebemos que a convivência estreita do índio com o português ajudou a definir os contornos da sociedade e da cultura daquela região, possibilitando uma maior circulação de saberes e técnicas alimentares. Circulação esta, que teve forte influência na diferenciação cada vez maior que a culinária paulista adquiriu ao longo do tempo, frente a culinária das demais localidades da colônia Por último, nosso trabalho nos forneceu indícios para aprofundarmos nossa compreensão sobre a importância do complexo do milho para a sociedade paulista do século XVII. No que diz respeito à sua cultura, que acreditamos ter sido um dos componentes fundamentais na formação desta identidade culinária, constatamos à luz dos inventários da década de 1650, que este alimento, ainda naquele momento, não era tão marcante e indispensável na dieta cotidiana dos paulistas. Isto nem em termos da subsistência dos habitantes e muito menos na agricultura comercial, uma vez que nos deparamos com um considerável silêncio, tanto nas Atas como nos Inventários, sobre um consumo e uma comercialização regulares deste produto

CONCLUSÕES:
Pode-se concluir através do cruzamento entre as informações presentes na pesquisa bibliográfica e documental que a produção de alimentos tinha importância fundamental na vida econômica da vila. Toda a economia da sociedade paulista estava pautada na produção e na circulação de alimentos. Eram essas atividades e as possibilidades de rendimento que elas proporcionavam, o meio mais comum de acumulação de riquezas e conseqüentemente de diferenciação social. No que diz respeito às trocas culturais ocorridas no nível da cultura alimentar, percebeu-se que os colonos apreenderam uma apropriação dos hábitos indígenas, principalmente no que tange a exploração dos produtos da terra. O aproveitamento pelos estrangeiros, não só dos produtos naturais nativos, mas de um modo geral, de toda sua cultura alimentar foi fundamental para a sobrevivência e a melhor adaptação dos adventícios às adversidades e possibilidades proporcionadas pelo meio. Tudo isto acrescido às múltiplas dificuldades de acesso aos produtos portugueses, fizeram com que houvesse a adoção dos hábitos alimentares dos naturais da terra. Porém, convenientemente reelaborados, reinventados e ressignificados. Ademais, percebemos que em momento algum o português abandonou seus hábitos alimentares, mantendo-os sempre que possível. Isto porque comer não se resume à mera questão de sobrevivência, sendo também uma fonte de prazer e de busca por saciação do paladar, que no caso dos colonos paulistas era ditado pelo apreço às comidas da sua terra: carnes, trigo, sal e vinho. Não podemos esquecer que esses produtos adventícios, quando estavam em falta, geravam uma série de reclamações por parte da população. Tais reclamações e as conseqüentes ações da câmara, tentando sanar o problema do abastecimento e do preço, demonstram que a indispensabilidade destes gêneros estava mais ligada a uma predileção cultural do que às suas funções nutritivas. Além da presença de alimentos trazidos da metrópole, a preponderância das técnicas européias utilizadas no preparo, na conservação dos alimentos e no modo de consumo, bem como a utilização de utensílios de mesa e cozinha e os equipamentos adventícios utilizados no cultivo e na produção alimentar, visualizados na documentação, são indicativos de seus esforços em manter certos comportamentos alimentares. Desta forma, o que podemos perceber é que a cultura alimentar paulista nasceu, e foi se desenvolvendo como fruto das combinações de conhecimentos e práticas alimentares dos europeus com a dos indígenas e que tal intercâmbio teve papel fundamental na identidade da cozinha paulista, que no período estudado, ainda estava em formação. No que diz respeito à cultura do milho, apesar deste produto fazer parte do repertório alimentar paulista, percebemos que ao longo da década de 1650, o milho ainda não tinha uma presença tão fundamental, a ponto de poder generalizar sua produção e consumo como uma particularidade da cozinha paulista, ou mesmo conceder-lhe o papel de definidor da cultura alimentar dos habitantes de São Paulo. Nossa pesquisa apontou que até a primeira metade do século XVII, adieta básica dos paulistas pouco diferia daquela das demais regiões:farinha e carnes( porco, gado, peixe). Na verdade, nossa hipótese é que só em finais do século XVII e a primeira metade do seguinte, é que ele teria se constituído enquanto produto básico n alimentação paulista.

Instituição de fomento: trabalho de iniciação científica - CNPQ

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Vila de São Paulo, cultura alimentar, milho

E-mail para contato: rafinha_basso@hotmail.com