60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 4. Sociolingüística

ESTUDO SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A RECEPÇÃO DOS RAPS DE PROTESTO

Fráya da Cunha1
Anna Christina Bentes1, 2

1. Unicamp - Instituto de Estudos da Linguagem - Departamento de Linguística
2. Profa.


INTRODUÇÃO:
Este projeto pretendeu descrever e analisar as principais formas de recepção de raps de protesto por parte de jovens adolescentes. Para tanto, desenvolvemos uma metodologia de base experimental que fosse sensível à realidade dos entrevistados. O projeto procurou mostrar o que os raps de protesto significam para o grupo que majoritariamente os ouve: os adolescentes negros das periferias dos grandes centros urbanos. Relacionados às resistências sociais, às disputas e aos conflitos, os raps de protesto estão carregados de mensagens de descontentamento, principalmente no que se refere à realidade social dos indivíduos marginalizados. O rap de protesto é uma das formas que o negro jovem da periferia encontrou para discutir e denunciar os seus problemas sócio-econômicos. Esse tipo de rap, portanto, é um importante instrumento de reflexão mobilizado pelos jovens para desenvolver as práticas de (i) reflexão crítica sobre a ideologia dominante, (ii) de construção de posicionamento em relação aos problemas sociais por eles enfrentados, (iii) de produção de identidades. A análise de enfoque linguístico é fundamental para entendermos como se dá a recepção dos raps de protesto pelos adolescentes. De fato, é através de uma análise que considere aspectos das identidades sociais e lingüísticas dos sujeitos, que podemos chegar a conclusões seguras sobre os objetivos a que nos propusemos alcançar nessa pesquisa.

METODOLOGIA:
O principal método empregado para o desenvolvimento desse projeto foi a entrevista semi-monitorada que se caracteriza por ser conduzida pelo pesquisador não apenas com um indivíduo, mas com um grupo. O pesquisador procurou criar um tipo de interação mais próxima do debate oral do que de uma entrevista clássica, incentivando discussões entre os participantes e evitando que estes apenas produzam respostas as perguntas do mediador. A primeira parte da pesquisa contou com 42 adolescentes e jovens da ONG SOS Adolescente, que atende, basicamente, adolescentes da periferia de Campinas. No segundo momento da pesquisa selecionamos 12 adolescentes entre 14 e 17 anos, seis meninos e seis meninas que compuseram dois grupos. O encontro dos grupos aconteceu uma vez, com a duração de aproximadamente 1 hora cada, na sede da própria ONG. Os encontros foram filmados pela pesquisadora e transcritos para análise posterior. Para as discussões foi utilizado o rap Mundo Livre do grupo Face da Morte, que mostra a inquietação e as críticas com relação à situação social e política do país.

RESULTADOS:
Dentre os adolescentes que participaram da segunda fase de gravação, 75% moram na região chamada de Campo Grande, que está, de acordo com recente pesquisa da Prefeitura de Campinas, em segundo lugar no ranking de vulnerabilidade social. Esse índice tem como objetivo mostrar quais lugares da cidade de Campinas estão sujeitos às precariedades no que diz respeito à educação, saúde, segurança, saneamento básico, equipamentos públicos etc. A região Noroeste, na qual Campo Grande está inserida, apresenta uma área de 65.700.000 metros quadrados, no qual são distribuídos 116 bairros, 11 favelas, 19 ocupações, num total de 135.000 habitantes, com uma renda média de um a três salários mínimos, o que casa com os dados colhidos no questionário econômico feito na primeira fase de gravação. A região do Campo Grande caracteriza-se pela falta de planejamento urbano adequado e um plano de desenvolvimento para a região, o que propiciou o surgimento de muitas áreas de ocupações e núcleo de sub habitação, conferindo à região um dos maiores índices da favelização do município. Os jovens participantes estão inseridos em um contexto de jovens que procuram se colocar como sujeito de seus direitos; a necessidade de construírem suas imagens e se posicionarem em relação a sua realidade social é visível e aparece de forma concreta nos discursos vinculados durante as discussões com a letra de rap. Nessa produção de identidade dos adolescentes que ouvem rap de protesto, este acaba por se transformar em um poderoso instrumento de reflexão.

CONCLUSÕES:
Ao me sentar para conversar sobre rap e sobre a realidade desses jovens me senti fazendo parte de algo importante e fundamental para minha compreensão acerca de uma realidade a qual eu faço parte e tenho um contato direto. Após o término da filmagem os quatro meninos que estavam participando da conversa propuseram uma apresentação. Tratava-se de uma música, intitulada de Bonde do Floresta, de uma dupla proveniente do bairro de nome homônimo. A letra fala das características desse local, dos personagens famosos e da relação com os outros bairros. Os adolescentes, ao cantarem, assumiram posturas de personagens principais, entenderam que naquele espaço era possível se fazer ouvir, falar das ruas que passam, dos lugares que freqüentam e das pessoas com as quais convivem. Esses adolescentes têm sim algo a dizer, e dizem com propriedade, muitas vezes replicando os discursos tão bem construídos dos rappers. Quem observa o conteúdo dos raps pode encontrar uma leitura da vida social, do fazer da sociedade, que pode ser comparada a de muitos cientistas sociais que apenas superam esses jovens na linguagem culta e específica do universo científico. Os jovens, ao decorar letras enormes de raps com facilidade admirável, estão se apropriando do contexto de reflexão proporcionado por este tipo de música. Se o hip hop possibilita que esses jovens sejam ouvidos, com certeza, é o rap e a relação desses adolescentes construída com esse estilo musical que nos evidencia o poder, a grandiosidade e a importância que esse movimento têm no dia a dia dessas pessoas.

Instituição de fomento: PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Recepção, Rap, Juventude

E-mail para contato: frayadacunha@hotmail.com