60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia

PEDESTRES E ESPAÇO PÚBLICO: PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL NO SISTEMA DE TRÂNSITO BRASILEIRO - ESTUDO BASEADO NO CASO DE PORTO ALEGRE

Clara Natalia Steigleder1
Luciano Joel Fedozzi2

1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2. Prof. Universidade Federal do Rio Grande do Sul


INTRODUÇÃO:
O trânsito é um dos principais problemas vividos no meio urbano brasileiro afetando cotidianamente milhares de pessoas. Com o crescimento das cidades cresce o número de deslocamentos de seus habitantes, trazendo problemas como congestionamentos, barulhos, e, principalmente -em função do advento do automóvel-, multiplicam-se os acidentes de trânsito. Os dados apontam que, no Brasil, o pedestre é a principal vítima, representando em torno de 50% das mortes no trânsito. Mesmo sendo o segmento majoritário, pois em torno de 70% da população brasileira desloca-se a pé, de ônibus, bicicleta, trem ou metrô, o segmento que possui maiores garantias de circulação e direitos é o condutor de transporte individual. Este trabalho busca analisar a participação das pessoas, na condição de pedestres, no espaço público de circulação e as representações sociais que estão orientando suas condutas. Considerando que o modelo de transporte prioritário no Brasil é o automóvel, buscou-se compreender qual sua influência na conduta dos pedestres, uma vez que o ambiente construído para atender este tipo de deslocamento produz uma relação de desigualdade no seu uso e exclui a maioria da população da possibilidade de uma mobilidade segura. A hipótese que orientou a pesquisa empírica é a de que as representações sociais construídas pelos pedestres sobre o trânsito estão fortemente pautadas pelo simbolismo do automóvel em detrimento de sua condição pedestre de deslocamento, direcionando suas ações para um comportamento de risco.

METODOLOGIA:
Esta pesquisa está sendo desenvolvida desde 2006 e, a partir de vários estudos exploratórios, buscou construir indicadores quantitativos que possibilitassem um conhecimento mais amplo e abrangente sobre as causas dos acidentes de trânsito, principalmente envolvendo pedestres. A pesquisa foi realizada com pedestres sem Carteira de Habilitação, pois houve a preocupação em entrevistar pessoas que não tivessem tido contato com a educação para o trânsito formal, ministrada nos Centros de Formação de Condutores. Desta forma, sua percepção estaria mais vinculada à vivência cotidiana do que ao conteúdo formal específico sobre trânsito. Para a constituição da amostra, os parâmetros considerados foram: idade, renda, grau de escolaridade, utilização de ônibus ou lotação como meio de transporte e os locais por onde circula. Considerando que a população desta pesquisa se constitui de pessoas que circulam no espaço público, a coleta de dados foi realizada em locais de grande fluxo de pedestres. A amostra foi constituída por 50% de pessoas do sexo masculino e 50% do sexo feminino. Considerando-se que os interesses e a necessidade de inserção no trânsito varia conforme a idade, foram definidas duas faixas etárias: de 18 a 30 anos, que compôs 80% da amostra; e de 31 a 45 anos, os 20% restantes. As perguntas realizadas buscaram verificar se o trânsito era visto como um problema para os entrevistados e se a dimensão do cumprimento das normas e regras de trânsito que dizem respeito à sua condição, estava presente em seus deslocamentos.

RESULTADOS:
Os dados coletados mostram que há diferenças entre a visão que o pedestre com Carteira de Habilitação tem do trânsito, daquele pedestre que não possui a habilitação. A maioria dos primeiros, considerada o trânsito um problema (67%), enquanto que a maioria dos segundos, não (42%). A percepção do trânsito como problema estaria relacionada à desatenção dos motoristas, sua demora em avançar o sinal, o planejamento viário ineficiente e os congestionamentos. Este tipo de percepção da realidade do sistema de trânsito e da forma como está organizada a mobilidade urbana não parte de uma condição de pedestre, mas, sim, reproduz apenas o que normalmente é tido como problemático pelos condutores. A maioria dos pedestres sem habilitação culpa o motorista pelos acidentes de trânsito, não percebendo o conflito social presente na forma como está organizado o espaço público de circulação e nas práticas cotidianas das pessoas no seu uso. Essas práticas estão conformando um tipo de segregação urbana móvel presente na origem dos acidentes de trânsito, principalmente nos atropelamentos

CONCLUSÕES:
Considerando os limites da pesquisa realizada em uma única cidade, pode-se estimar que as representações dos pedestres reproduzem a desigualdade social no uso do espaço público. O pedestre, ao reproduzir o conflito como sendo natural – porque a “máquina automóvel pode matar e mata” – transfere a responsabilidade para o condutor, ou melhor, para a máquina, e se percebe como a grande vítima no trânsito. O trânsito afeta as pessoas, positiva ou negativamente, mas a reflexão sobre essa dimensão do agir humano tem se mostrado restrita e limitada. Por isso, o trânsito não pode ser visto apenas como uma construção da engenharia viária e de transporte, ou como fenômeno que reflete o comportamento dos sujeitos individuais. As intervenções necessárias na área do planejamento viário, bem como na fiscalização do trânsito e na educação, necessitam estar norteadas por um olhar mais amplo sobre como as relações sociais estão se estabelecendo no uso do espaço público de circulação. A forma como historicamente foi construído o espaço urbano, a maneira como as pessoas o ocupam, as relações que consciente e inconscientemente são estabelecidas, são questões relevantes que devem ser estudadas a partir desse enfoque mais amplo quando se pretende intervir nessas áreas.

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  pedestres, segregação urbana, acidentes

E-mail para contato: natalia_steg@hotmail.com