60ª Reunião Anual da SBPC




D. Ciências da Saúde - 1. Enfermagem - 6. Enfermagem Psiquiátrica

O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO DA “ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO” – POSSIBILIDADES PARA A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL

Julian Rafael Faoro1
Leandro Barbosa de Pinho1
Luciane Prado Kantorski2

1. Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
2. Universidade Federal de Pelotas - UFPel


INTRODUÇÃO:
No campo da saúde, a construção de saberes e práticas ainda é uma interrogação a ser desvelada. Difícil iniciar uma discussão sobre saúde e doença que não leve outras pessoas a se posicionarem também, sejam a favor ou contra a nossa visão sobre o assunto. Isso porque saúde e doença são conceitos produzidos no interior das relações humanas, estimulando o pensamento e a reflexão, mas revelando também a orientação teórica dessas pessoas para se posicionarem e defenderem suas concepções. Foi na medicina, por exemplo, que as modificações mais substanciais no modo de pensar a saúde e a doença na humanidade se tornaram mais presentes em nossa realidade. No caso da saúde mental, foi quando a loucura, através de Phillipe Pinel e seus seguidores, foi elevada à condição de doença mental. A partir desse momento, o saber psiquiátrico se volta para as confluências de um saber racional, que urge pela explicação dos achados do sujeito, sua manifestação sintomática e pela sua organização metodológica para dar início à classificação dos diversos “gêneros” da doença psiquiátrica. Nos últimos anos, temos testemunhado a consolidação de um movimento de reforma da assistência psiquiátrica que vem revelando faces antes escurecidas pela tradição excludente da psiquiatria tradicional. Hoje, fala-se em serviços substitutivos ao manicômio, em sofrimento mental, em tratamento como projeto e cuidado como centralidade. Diferentes discursos que, na análise crítica do discurso, podem ser elucidados, confrontados, discutidos e repensados.

METODOLOGIA:
Todo discurso possui um sentido e um significado. Convivemos com o discurso no cotidiano sem, por vezes, dar-nos conta de sua complexidade. Como dimensão da vida material e da linguagem contemporânea, o discurso representa parte do que somos e fazemos, assim como é representado por aquilo que somos e fazemos. O dispositivo teórico-metodológico de análise crítica do discurso deste trabalho corresponde ao modelo tridimensional construído por Norman Fairclough. O autor analisa o discurso a partir de três dimensões essenciais: a análise do discurso como texto, do discurso como prática discursiva e do discurso como prática social. Todas essas dimensões estão relacionadas dialeticamente, fazendo parte da dinâmica analítica do material discursivo como um todo. Na análise do discurso como texto, podem ser estudados os mecanismos internos de produção do discurso, como: vocabulário, gramática, semântica, coesão e estrutura textual. Na análise das práticas discursivas, são estudados os mecanismos que promovem a articulação dos diferentes discursos, pois um discurso sempre se interconecta ao que é “interno” (texto) e ao que é “externo” a ele (o social). Na análise do discurso como prática social, são estudadas suas repercussões na materialidade sócio-histórica dos sujeitos, que características produzem continuidades ou descontinuidades e como determinados eventos discursivos se imiscuem na vida humana, imergindo na atividade social e nas interações sociais.

RESULTADOS:
As características apontadas pelo referencial teórico-metodológico não se esgotam aqui e revelam as múltiplas possibilidades de interlocução entre diferentes áreas do conhecimento científico. No caso da saúde mental, o estudo do discurso como texto procura estudar palavras individuais ou expressões articuladas, assim como algumas propriedades da linguagem que transparecem no discurso. Também se analisa coesão e coerência textuais, assim como elementos de inferência e significados extraídos do texto. No estudo das práticas discursivas é possível analisar aspectos mais específicos do campo da saúde mental. Por exemplo, como os diferentes discursos na área se articulam, separam-se, dialogam entre si e se combinam. Isso serve para evidenciar como, por que e quando saberes e práticas sobre a loucura são complementares ou excludentes entre si. Ao analisar-se o discurso como prática social faz-se uma análise sociológica dos eventos discursivos, focalizando movimentos ideológicos e hegemônicos do discurso. No caso da análise discursiva em saúde mental, permite-se pensar em como, quando e por que discursos produzidos na área influenciam na constituição da sociedade e no modo de como esta se relaciona com o fenômeno da loucura. Podem-se constatar os embates e deslocamentos que determinados discursos provocam nas relações sociais, de modo a evidenciar fragilidades, potencialidades, limitações e contradições no cotidiano dos sujeitos que fazem, vivem ou pensam a loucura como dimensão da vida humana.

CONCLUSÕES:
O presente ensaio revelou somente alguns dos muitos aspectos que possibilitam articular saberes produzidos por áreas específicas, como a lingüística, ao campo da saúde. Destacou algumas aproximações e novas abordagens teórico-metodológicas para a produção do conhecimento sobre determinados aspectos do processo de viver e adoecer e que se materializam nos discursos, considerando-os como atividade fundamental da linguagem e como mecanismo de produção de sentidos no cotidiano. No caso da saúde mental, a análise crítica do discurso estrutura-se como disciplina destinada à investigação dos fenômenos semióticos que têm a loucura como seu objeto de estudo e como dimensão do processo saúde-doença. Mais especificamente, a análise crítica do discurso pode ajudar a desvendar peculiaridades não somente lingüísticas, mas também sociológicas, como personalidades, conflitos, posicionamentos, resistências, enfrentamentos e assimilações. Por sua vez, é o conjunto dessa análise que vai determinar como o movimento ideológico e hegemônico se desloca dialeticamente no campo psiquiátrico, produzindo novos (e velhos) discursos repletos de contradições, potencialidades e limitações.

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Estudos da Linguagem, Saúde Mental, Ciências Sociais

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