60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 7. Educação - 14. Ensino Superior

JUAN DE MARIANA: A BOA RAZÃO DE ESTADO E AS SETE ARTES LIBERAIS

Walter Luiz de Andrade Neves1, 2
Ricardo de Oliveira1, 3

1. Departamento de Letras e Ciências Sociais - UFRuralRJ
2. Discente do Curso de História
3. Prof. Dr. / Orientador - DLCS - UFRuralRJ


INTRODUÇÃO:
Entre os séculos XVI e XVIII produziu-se na península ibérica uma vasta gama de literatura política indissociável de matizes claramente religiosas, entre estas o gênero dos espelhos de príncipe. Os espelhos (specula em latim) podem ser definidos como textos de natureza pedagógica, oferecidos ao Rei ou aos tutores do Príncipe sucessor como uma forma de orientar a melhor educação do herdeiro ao trono. Esses escritos invariavelmente veiculavam ensinamentos político-morais, baseados numa estreita relação entre política régia e ética católica, visando estabelecer um modelo ideal de Príncipe cristão (BUESCU, 2000). Os escritores políticos ibéricos, desde a entrada em cena de “O Príncipe” (1532), de Maquiavel, procederam a uma defesa ainda mais veemente da moral cristã enquanto virtude essencial ao príncipe governante, e, nesse sentido, concorreram para uma saída política distinta da maquiavelista. Nossa pesquisa focaliza a análise de um exemplar desta literatura: “De Rege et Regis Institutione” (1599), escrito pelo Padre jesuíta Juan de Mariana e oferecido a García de Loaisa – tutor daquele que viria a ser rei sob o título de Felipe III -, este espelho é considerado por Quentin Skinner (1996) como um dos principais specula ibéricos de seu século.

METODOLOGIA:
Ao depararmo-nos com uma fonte católica do final do século XVI, faz-se mister considerarmos sua gramática específica, ou seja, preocuparmo-nos com a historicidade de seus conceitos e idéias, bem como sua relação com o contexto de uma sociedade de corte. Assim podemos desnaturalizar idéias e conceitos, buscando reconstruir um universo antropológico distinto do nosso. Nosso corpus documental é constituído por espelhos de príncipe, de cortesãos e validos; livros de emblemas e insígnias (que podem ser igualmente considerados como espelhos); tratados de natureza teológica, jurídica e política; sermões, memorais e opúsculos etc. Além disso, procedemos ao fichamento e à análise qualitativa da obra escolhida, utilizando ainda, para este fim, uma historiografia pertinente ao período em geral e ao tema específico em questão. O espelho analisado foi publicado em 1599, em latim, sob o título "De Rege et Regis Institutione". Lemo-o de uma versão traduzida para o espanhol presente numa antologia das obras do padre Juan de Mariana, publicada em 1950 , onde foi intitulada Del Rey y de la Institucion Real.

RESULTADOS:
Artes liberais é um conceito da Antiguidade, mas que se sedimentaria no espaço das universidades medievais. Eram consideradas as disciplinas próprias de um homem livre, de interesse filosófico e humanista. As sete artes liberais são compostas pelo trivium: Dialética/Lógica; Retórica e Gramática (o estudo do espírito: a lingüística e a filosofia) e pelo quadrivium: Aritmética; Música (no sentido de sua natureza teórica, matemática); Geometria e Astronomia/Astrologia (o estudo da matéria). Juan de Mariana constrói um arcabouço retórico que busca a conciliação entre fé e razão (tendo como objeto específico a política régia), realizada desde São Tomás de Aquino, e, mais ainda, da submissão da última à primeira. Em Juan de Mariana, são, portanto, as virtudes cristãs (teológicas, ou seja, o conhecimento sobre Deus e sobre as leis divinas) que são consideradas as verdadeiras matrizes de um governo justo. De modo que: ...conviene que tome el príncipe de cada ciencia cuanto pueda servirle para el uso de la virtudy el perfecto conocimiento del desempeno de su cargo (1950, p.511) [pois] ...su verdadera sabiduría há de consistir mas en el temor de Dios y en la inteligencia de las leyes divinas que en las artes y la ciencia de la tierra [grifos nossos] (1950, p.465)

CONCLUSÕES:
Percebemos como a submissão dos conhecimentos humanos à fé opera-se no discurso pedagógico de Juan de Mariana. Nesse sentido, o pensamento político ibérico, num specula como o analisado, investe-se do que Maravall (1995) intitula “pragmatismo católico”, i.e., a dissertação de Mariana acerca dos conhecimentos e preceitos de um virtuoso governo régio obedecem a uma coerência retórica que não dissocia fé e política/razão, conforme postulado desde São Tomás de Aquino. Poderíamos ainda caracterizar tal discurso no âmbito da afirmação seiscentista do Estado Moderno e da noção caudatária de “Razão de Estado”, ou seja, de um racionalismo político que prima pelo uso de técnicas políticas que têm como fim a conservação do Estado, cujos principais teóricos são Maquiavel e Bodin. Com a importante diferença de que os escritores políticos ibéricos reformulam esse conceito rumo a uma “Razão de Estado Cristã”, i.e., realizando a unificação de um objetivo pragmático (a conservação do Estado) com o postulado de uma política católica, o que significa a rejeição da autonomia plena da esfera política em relação à religiosa e à separação entre política e moral. A preocupação dos neotomistas é responder à evolução do Estado sem atentar contra a ética política cristã (ECHEVERRÍA, 1998).

Instituição de fomento: PIBIC/CNPq/UFRuralRJ

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Razão de Estado, Espelho de príncipe, Artes

E-mail para contato: walter_andrade@click21.com.br