61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 2. Sociologia do Conhecimento
PERCEPÇÃO E VALORIZAÇÃO ETNOECOLÓGICA DOS BOTOS PELOS PESCADORES DE MANACAPURU
Sandra Beltran Pedreros 1
Andréa de Souza Leão 2
1. Curso de Pós-Graduação em Ciências Pesqueiras nos Trópicos / UFAM-PIATAM
2. Licenciatura em Biologia, Centro Universitário Luterano de Manaus / CEULM
INTRODUÇÃO:
A etnoecologia estuda conhecimentos e crenças, sentimentos e comportamentos que intermedeiam as interações entre as populações humanas que os possuem, os elementos dos ecossistemas que as incluem e, os impactos ambientais decorrentes. A relação das populações com a natureza, transforma o ambiente em lugar, ao qual é atribuído valor, sentimento. E para compreender as preferências e atitudes ambientais é necessário conhecer a história cultural e a experiência de um grupo no seu ambiente. O conhecimento da realidade é obtido no processo de educativo das relações sociais do homem com a natureza e com seus semelhantes. Informações etnoecológicas são importantes para a devida valorização da biodiversidade e no subsidio a planos de conservação e manejo embasados numa realidade social. A conservação dos botos da Amazônia (Inia geoffrensis e Sotalia fluviatilis) está em risco pela degradação do ambiente, a interação com pescarias e, seu uso como isca na pesca da piracatinga (Calophysus macropterus). Esta técnica de pesca incentiva a matança de botos, como na RDS Mamirauá onde foram mortos 9 botos por ano em 2002 e 2003. A produção de piracatinga na Colômbia passou de 2% entre 1990 e 1996 para 19% em 2003 e, no Brasil triplicou de 2001 a 2003. A problemática botos-piracatinga demonstra a necessidade de um plano de manejo, mas o incentivo à caça de botos baseado nos prejuízos gerados por estes às pescarias são um empecilho. O uso do boto como isca levanta a pergunta: Qual é a importância, no cotidiano e no imaginário do pescador, a presença dos botos?
METODOLOGIA:
Foi contatada a colônia de pescadores de Manacapuru e solicitada autorização para aplicação de um questionário de 27 perguntas fechadas e de múltipla escolha durante a Assembléia Geral mensal. Inicialmente foi ministrada a palestra “Compartilhando saberes: Biologia pesqueira para pescadores” e através da abordagem êmica buscou-se a compreensão dos sentimentos, comportamentos e crenças a respeito dos botos. Na reunião 36 pescadores: 13 mulheres entre 30 e 55 anos e, 23 homens entre 20 e 58 anos; com 10 a 40 anos na pesca participaram da pesquisa. Uma das perguntas buscava verificar se os pescadores diferenciavam bem as duas espécies de golfinhos (boto: Inia geoffrensis e tucuxi: Sotalia fluviatilis), as demais eram lidas pela pesquisadora e os pescadores tinham poucos segundos para responder, intentando assim não dar espaço aos pescadores de ajustar as respostas às necessidades legais ou de conveniência. Ainda que fosse explicada aos pescadores a importância da sinceridade nas respostas, os medos a processos punitivos por parte dos órgãos governamentais e com suas relações de trabalho podem influenciar na hora das respostas, em especial com um tema que esta sendo amplamente divulgado na mídia e onde os pescadores são considerados os culpáveis.  Os dados foram analisados por gênero e os resultados apresentados em freqüências absoluta e relativa.
RESULTADOS:
96,1% dos pescadores não gostam da presença do boto durante a pescaria por que: atrapalha a pescaria (30,5%), estraga redes (34,9%) e tira peixe das redes (30,17%). Em relação ao tucuxi 53,1% acham que atrapalha e 68,7% que ajuda. O repudio ao boto tem a ver com a forma como vivenciaram a proximidade aos animais e a carga cultural: 93,5% escutaram desde crianças que o boto era perigoso e tem medo, ainda reconhecendo que muitas histórias não são verdadeiras (64,6%). O boto é tido como perigoso pelos homens (60,9%) e como mau pelas mulheres (30,8%). Já o tucuxi é tido como inofensivo (67,7%) e bonito (28,5%). Os valores atribuídos a cada espécie se demonstram no gosto pelas mesmas (boto 12,5% e tucuxi 86,2%). O conhecimento sobre os golfinhos foi adquirido na tradição oral, as mulheres com os pais e mais velhos (69,2% e 30,8%) e, nos homens os pais e a experiência como pescador foram igualmente importantes (39,1%). Com relação ao uso ou utilidade dos golfinhos, o boto é tido como útil para isca (41,4%), e para consumo (♀ 38,7%); o tucuxi para dar beleza ao ambiente (64%) e como isca (23%). O uso do boto como isca é justificado por ser a melhor e mais barata (49,7% e 38,8%). 81,4% dos pescadores usariam outra isca para não matar botos, já que 78% sabem que os golfinhos estão protegidos por lei. A extinção do boto deixaria 52,2% dos homens preocupados, 61,5% das mulheres tristes e 28% de todos felizes; e a do tucuxi deixaria o 58% tristes; mas 87,4% dos pescadores acham importantes os golfinhos para o meio ambiente.
CONCLUSÃO:
É inegável que a carga cultural dos pescadores sobre os golfinhos pesa muito na hora de ponderar a suas relações com cada uma das espécies. Ficou evidente que para os pescadores, estendido aos ribeirinhos, os golfinhos em geral são espécies que têm importância ecológica, ainda que não seja claramente identificada por eles. Mas as lendas sobre os conflitos entre boto e pescador deixa esta espécie em desvantagem frente ao tucuxi. Muitas das lendas são usadas pelos intermediários na cadeia econômica da pesca, que justificam a matança de boto nos prejuízos que este ocasiona às redes de pesca e ao peixe capturado. Mas pesquisas desenvolvidas na Amazônia colombiana demonstraram que as perdas na captura de peixe por ação direta do boto não são maiores de 2%. A realidade é que a isca de boto é barata porque o pescador vai mata um boto ou o patrão de pesca da à isca. Os golfinhos possuem ampla distribuição e ocorrência comum na Amazônia e, hoje o maior perigo para sua conservação no Solimões-Amazonas é o uso como isca; por isso a necessidade de um plano de manejo da pesca de piracatinga que permita o uso de iscas ecologicamente corretas e de baixo custo para os pescadores. As tradições orais devem ser preservadas, porque muitas delas valoram positivamente os golfinhos, mas deve ser explicado que as interações negativas são decorrentes de ações humanas e não existe periculosidade nos golfinhos.
Instituição de Fomento: Universidade Federal do Amazonas/UFAM
Palavras-chave: Interação botos pescadores, botos da Amazônia, Botos no imaginário do pescador.