61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 5. Antropologia Urbana
"Poder local e Família: quem é filho de quem?"
Cinthia Annie de Paula Ferreira 1
Caetana Maria Damasceno 1
1. Universidade Federal Rural do rio de Janeiro
INTRODUÇÃO:
Este trabalho tem por objetivo a reconstituição dos laços de parentesco, consangüíneos ou não, em um município próximo da cidade do Rio de Janeiro. Procurei reconstituir algumas redes de relações políticas capturadas nos cadernos de campo de pesquisadoras envolvidas com o “tempo da política” de 2004 e de 2006 (PALMEIRA e HEREDIA, 1997). Trata-se da retomada, a partir da memória política, da genealogia e de arquivos (cadernos de campo) sobre a transmissão do capital político entre algumas famílias desta região (CANÊDO, 2003). Este procedimento me permite refletir sobre os arquivos da pesquisa, abordando-os como meu campo etnográfico, pois tais diários de campo não são dados, mas, uma construção daqueles que os organizaram (CASTRO, 2008; GOMES, 2004).
METODOLOGIA:
Para dar início ao estudo, partimos de uma questão relevante que diz respeito às estratégias de transmissão de capital político das famílias descritas nos cadernos de campo para tentarmos apreender a ordem , se existe uma, dessas estratégias. Esta questão foi abordada por Letícia Canêdo (2003), em sua pesquisa sobre famílias de políticos de Minas Gerais: “quais são os instrumentos de percepção e de interpretação das ações políticas desta sociedade [mineira] que atribui um tal peso à família, ao mesmo tempo em que afirma a igualdade dos cidadãos, desenvolvendo leis que visam tornar a sociedade mais democrática?” (CANÊDO, 2003:11). Por outro lado, o mérito do nosso estudo talvez esteja em investigar o que as pessoas pensam sobre o que fazem e não somente o que elas fazem. Neste sentido, Clifford Geertz (1978) nos orienta a não somente descrever as atividades dos atores sociais, mas também narrar como eles as interpretam, o que pensam e dizem sobre a sua própria experiência. Diferentemente da idéia de que o trabalho de campo é realizado em um “laboratório natural”, a perspectiva de Geertz está pautada na noção de que o trabalho do antropólogo não deve ser realizado a partir do “estudo das aldeias”, mas “nas aldeias” (GEERTZ:176). Por meio destas perspectivas procuro me apropriar dos cadernos de campo: da forma como os atores sociais vivenciam as tramas urdidas no exercício da política local e o papel assumido pelas relações de parentesco. Trata-se de capturar o modo pelo qual eles estabelecem alianças e compromissos, orientando-se por tais relações, em busca de construir laços com os eleitores e mesmo com outros candidatos. A construção de reputações (BAILEY, 1971) provém, pelo menos em parte, dessas alianças e compromissos construídos, na esfera da chamada “pequena política”: na vida cotidiana. Os laços de afinidade entre os que exercem o poder local e os que ocupam postos de representação em nível nacional e estadual.
RESULTADOS:
Empenho-me, inicialmente, pela recuperação de uma das situações sociais (GLUCKMAN, 1968) abordadas nos cadernos, que se tornaram arquivos para a pesquisa. Parto da comemoração do aniversário de um pastor da Assembléia de Deus do Rio de Janeiro, em 2005, que fora nomeado para a Pasta de Agricultura, Pesca e Agronegócios, pelo recém prefeito eleito, Gedeon Antunes. A partir da narrativa deste evento, abordado nos cadernos de campo, foi possível perceber um entrecruzamento de duas famílias presentes na comemoração, a de Gedeon Antunes, com sua esposa e seus dois filhos, e a família do Pastor Edvaldo Dias, com seu sobrinho Filipe Almeida Pereira. Tendo como cenário inicial esta situação social procuro analisar a trajetória política destes dois agentes sociais, em diálogo com a formação das famílias consangüíneas e “da igreja”, que possuem vínculos estreitos com o universo da pesquisa. Filipe Pereira constrói sua carreira no PSC, candidatando-se a vereança da cidade do Rio de Janeiro no ano de 2004, sem ser eleito. Em 2006, foi eleito o candidato mais jovem do pleito para o cargo de Deputado Federal, utilizando o mesmo slogan da sua campanha anterior: “Filipe, Rio de cara nova”. A carreira precoce de Filipe Pereira consolidada sobre as bases das alianças constituídas por seu pai torna perceptível o papel da parentela na transmissão de capital político em nível local e nacional. A família Dias possuía vínculos estreitos com o micro-universo do município onde realizo esta investigação articulando o nacional e o local através do trânsito destes atores. O tio de Filipe Almeida, Edvaldo Dias foi requisitado para o cargo de Secretário de Agricultura pelo prefeito Gedeon Antunes, a partir de “sugestão” de Everaldo Dias. Em outra situação social, o próprio Edvaldo afirmou a importância destes vínculos entre a pequena e a grande política: “apoios importantes em Brasília, através de gente amiga: um amigo particular, meu irmão, o Pastor Everaldo Dias, vice-presidente nacional do PSC, conhecido como um ‘pastor durão’. Teremos condições de reaver o PRONAF, porque temos gente lá em Brasília que vai batalhar para isso.” Ora, nessa situação social faz-se perceptível que as estratégias de conservação da posição política em nível municipal e nacional, através das associações, possibilitaram a adaptação dos agentes políticos no Município pesquisado (CANÊDO 2003). Da mesma forma, a carreira política de Felipe Pereira pode estar intricada nessa rede constituída por seu pai e seu tio. Outra situação narrada nesse arquivo sobre o “tempo da política” aponta para o caso de Nikolas Antunes, que ao se candidatar a Deputado Estadual em 2006, utilizou a categoria “geração” para distanciar sua carreira política da geração de seu pai, Gedeon Antunes, ex-prefeito, cassado em 2006. Este distanciamento de Nikolas em relação ao seu pai pode ser percebido conforme o mesmo pressuposto do qual se utiliza Heredia (1996) ao estudar as relações entre família, política e comunidade. Para a autora tais ligações constituídas pelo “chefe” do grupo doméstico comprometem a reputação de todo o grupo sob seu domínio.
CONCLUSÃO:
A partir da tentativa de transferir capital político de pai para filho percebe-se que a política local está enredada em um intricado sistema de alianças no qual a parentela assume um papel fundamental, pois mobiliza status, prestígio, isto é, as reputações de cada agente social. Nessa teia de relações existem laços estreitos de parentesco vinculando esposas e maridos, pais e filhos, compadres e afilhados, agregados e vizinhos ao capital político. O crescimento da política local desde a emancipação do município onde realizamos a pesquisa, está relacionado à construção de facções baseadas em alianças de parentela. Finalmente, a partir da retomada dos cadernos de campo e o embrionário mapeamento de tais redes podemos apontar para o fato de que os candidatos gerenciam a impressão que os eleitores terão sobre a sua pessoa e, conseqüentemente, sobre a sua candidatura considerando as inserções de parentela. Assim como em Bailey (1971) a reputação na esfera da grande ou da pequena política é preponderante para a garantia de um status elevado, para aquele indivíduo, dentro da comunidade, por isso a necessidade de constituir ou dar continuidade aos laços que unem essa emaranhada rede, porque “Minha reputação é um dos fatores que controlam os modos segundo os quais eu posso interagir com outras pessoas e manipulá-las para alcançar os fins que eu tenho em mente.” (BAILEY, 1971).
Instituição de Fomento: SINTEEG
Palavras-chave: Poder Local, Famílismo, Parentela.