61ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 8. Genética - 1. Genética Animal
EVIDÊNCIA DE LINHAGENS GENÉTICAS MITOCONDRIAIS E POSSÍVEL EXISTÊNCIA DE ESPÉCIES CRIPTICAS NO PEIXE ORNAMENTAL Carnegiella marthae (CHARACIFORMES, GASTEROPELECIDAE) DA BACIA DO RIO NEGRO – AM.
Carlos Henrique Schneider 1
Maria Claudia Gross 1
Maria Leandra Terencio 1
Jorge Ivan Rebelo Porto 1
1. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Laboratório de Genética Animal
INTRODUÇÃO:

O rio Negro é o maior tributário do rio Amazonas, com 1700 km de extensão. Este rio drena três principais formações geológicas: o escudo das Guianas, a região dos sedimentos terciários e a região sedimentar quaternária da bacia Amazônica, totalizando cerca de 750.000 km2. Em algumas regiões da porção alta de seu curso as águas fluem lentamente e em outras apresentam correnteza com corredeiras, sendo estas fortemente pronunciadas em frente a São Gabriel da Cachoeira. Anualmente o Brasil exporta cerca de 20 milhões de peixes ornamentais e a maioria das espécies exploradas são oriundas de florestas alagáveis (igapós) da bacia do rio Negro. Dentre as espécies amplamente exploradas com esta finalidade destaca-se o peixe borboleta, Carnegiella marthae (Gasteropelecidae), que é um peixe de pequeno porte, distribuído na bacia do alto Orinoco e rio Negro. O presente trabalho objetivou estimar a variabilidade genética em C. marthae na bacia do rio Negro.

METODOLOGIA:
Foram amostrados 151 exemplares de Carnegiella marthae em tributários da bacia do alto e médio rio Negro. Os pontos de coleta do alto rio Negro acima das corredeiras de São Gabriel da Cachoeira foram Açaituba (n=4), Mapi (n=16), Jurupari (n=17), Tiabo (n=14) e São Felipe (n=16) e abaixo das corredeiras foram Miuá (n=15), Machi (n=4), Aianã (n=15) e Jaradi (n=16). Os pontos amostrados na porção média do rio Negro foram Demeni (n=14) e igarapé Vila (n=20). Estes espécimens tiveram seu DNA extraído pelo método de fenol-clorofórmio. O gene da ATPase 6/8 foi amplificado e sequenciado com os primes ATP8.2-L8331 e CO3.2-H9236 no sequenciador automático de DNA MegaBace 1000. As sequência geradas foram editadas e alinhadas. Para verificar a relação evolutiva entre os haplótipos foi gerada uma árvore de haplótipos e uma árvore de Máxima Verossimilhança com base no modelo evolutivo HKY+G. Um indivíduo de Carnegiella strigata foi utilizado como grupo externo. O suporte dos ramos foi verificado com bootstrap para 10.000 réplicas. Para determinar a distância genética entre os haplótipos foi gerada uma matriz de distância p não corrigida. Ainda, para verificar se as populações são geneticamente homogêneas ou se estão isoladas, foi realizado um teste de Análise de Variância Molecular (AMOVA).
RESULTADOS:

Foram sequenciados 646pb do gene mitocondrial da ATPase 6/8 de 151 exemplares os quais foram agrupados em 24 haplótipos. Com base nos haplótipos a árvore de máxima verossimilhança gerada evidenciou a presença de quatro clados monofiléticos, suportados por elevados valores de bootstrap (> 70), podendo ser denominados de linhagens genéticas. O mesmo padrão foi verificado na árvore de haplótipos sendo que a análise gerou quatro árvores independentes, cada uma correspondente a uma linhagem genética evidenciada na árvore de máxima verossimilhança. A primeira linhagem foi formada por indivíduos das populações de Açaituba, Jurupari, Mapi, São Felipe, Tiabo (n=43); a segunda compreendeu indivíduos do Jurupari, São Felipe e Miua (n=39); a terceira foi formada por indivíduos do Machi, Jaradi e Aianã (n=35); e a quarta por indivíduos de Demeni e Vila (n=34). A distância genética entre as linhagens variou de 4,7 a 15,0% enquanto dentro de cada linhagem variou de 0,0 a 3,0%. Quando comparadas ao grupo externo a distância genética variou de 18 a 19,7%. A análise de variância molecular envidenciou que existe uma diferenciação genética significativa entre as populações (Φst: 0.9306; p<0.05).

CONCLUSÃO:

Carnegiella marthae é um peixe de pequeno porte que faz apenas migrações restritas, este comportamento, associado a presença de corredeiras e a distância geográfica, pode estar favorecendo a diferenciação genética. Como há simpatria das linhagens 1 e 2 apenas no Jurupari e São Felipe, essas linhagens diferenciadas geneticamente podem estar tendo um contato secundário. Porém, essa simpatria também sugere algum grau de isolamento reprodutivo. O leito do rio Negro foi barreira efetiva para a Linhagem 3 não havendo fluxo gênico entre populações de margens opostas. A linhagem 4, típica de igarapés de águas brancas, destaca-se pelo elevado valor de distância genética (15%) quando comparada às demais, sendo este valor muito próximo, à espécie-irmã, C. strigata. É provável que as diferenças entre as linhagens 1 a 3 correspondam apenas ao arcabouço genético de uma mesma espécie (variabilidade intraespecífica) mas o mesmo pode não se aplicar a linhagem 4 (que pode ser uma espécie críptica). A presença de diversidade genética oculta na mesma unidade taxonômica pode ser preocupante, ainda mais para uma espécie muito explorada, pois medidas de conservação que a considerem como um grupo homogêneo, podem implicar na perda de diversidade genética.

Instituição de Fomento: FAPEAM/PIPT, INPA, CNPq/DTI.
Palavras-chave: ATPase, DNA mitocondrial, genética populacional.