A educação escolar, de modo geral, reflete, reproduz e transforma a vida em sociedade. Assim, as ações docentes são determinantes nesse processo. Nesse sentido, a educação infantil deve reconhecer as características culturais retratadas no comportamento das crianças para atender as especificidades presentes nesta. Dessa forma, o perfil profissional do professor é fator fundamental no processo de ensino e aprendizagem das crianças da educação infantil. A inquietação que originou esse trabalho nasceu do interesse em determinar até que ponto a formação docente baseada em parâmetros não indígenas, interfere e causa choques culturais, no processo de escolarização infantil de crianças indígenas, pois essa modalidade de ensino até pouco tempo não era sistematizada nessas comunidades. Ao mostrar a realidade de uma comunidade escolar indígena e as relações que nela se estabelece, esse trabalho ganha relevância por permitir reflexões sobre a importância de ações voltadas para a formação do profissional que atua nesse ambiente no sentido de realmente possibilitar o resgate da valorização do “ser” indígena.

A estratégia metodológica dessa pesquisa partiu do interesse de conhecer a interferência da formação no trabalho do professor e suas conseqüências para o processo de ensino e aprendizagem de crianças indígenas. Nesse contexto, optou-se pelo estudo de caso tendo como sujeitos participantes alunos e professores da escola João Cruz, da Comunidade ticuna do Umariaçu II, que atende crianças da educação infantil e do ensino fundamental. Para um maior aprofundamento das observações trabalhou-se com um universo de trinta crianças com idades variando de quatro a cinco anos. Para a coleta de dados foram utilizadas técnicas diversas como a observação participante, a entrevista e o registro fotográfico das atividades desenvolvidas na escola. Com o propósito de estabelecer um paralelo entre a realidade escolar e o ambiente familiar, realizou-se também o acompanhamento de atividades desenvolvidas nos lares de um pequeno grupo de crianças da referida escola e escolhidas por viverem próximas umas das outras.

A análise dos dados coletados conduz a uma reflexão sobre as interferências comportamentais de uma formação advinda de cursos que não preparam o professor para a docência em contextos indígenas. Foi possível perceber um antagonismo entre as ações pedagógicas do professor e a realidade que circunda o ambiente escolar. Tal situação leva as crianças a uma escolarização pautada em parâmetros não indígenas e consequentemente a um conflito entre o que lhes é ensinado em casa (na família) e na comunidade com o que é aprendido na escola. A ausência de material escrito na língua materna e os materiais didáticos utilizados por esses professores acabam reforçando a cultura não indígena em detrimento dos saberes tradicionais presentes na vida dessas crianças. Todos os fatores identificados nesse trabalho apontam para a necessidade de um melhor direcionamento na formação do professor indígena que irá trabalhar na educação infantil no sentido de instrumentalizá-lo para esse exercício que envolve muito mais que a simples escolarização de crianças. 

Reconhecer-se e ser reconhecido como integrante da comunidade indígena onde funciona a escola deve ser o objetivo primeiro da formação de um professor indígena, pois é ele que terá a incumbência de mediar os anseios de seus alunos frente as constantes transformações da realidade vivida. Esse profissional tem que ter habilidades pedagógicas, didáticas e políticas para trafegar coerentemente nas distintas realidades presentes na escola, principalmente saber adequar o formalismo do sistema educacional oficial a realidade de sua comunidade. Não se pode pensar na formação de um professor indígena tendo como objetivo principal o ensino, pois este deve ser apenas uma das vertentes dessa formação. Nesse sentido afirmamos que os cursos de formação de professores existentes na região amazônica ainda têm muito a fazer no sentido de possibilitar aos futuros professores a reafirmação de suas identidades étnicas e a valorização de sua língua e saberes tradicionais, fatores que interferem diretamente, através da escolarização, na melhoria de vida das crianças que serão os futuros dirigentes da comunidade.