61ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 2. Biologia - 1. Biologia da Conservação
A RESERVA PARTICULAR DO PATRIMÓNIO NATURAL CARA PRETA (ALTO PARAÍSO/GO) E A CONSERVAÇÃO DE ESPÉCIES DE AMARANTHACEAE DO CERRADO
SUZANE MARGARET FANK-DE-CARVALHO 1
MISLÉIA RODRIGUES DE AGUIAR GOMES 2
KHESLLER PATRÍCIA OLAZIA NAME 2
MARIA SALETE MARCHIORETTO 3
SÔNIA NAIR BÁO 2
1. PG Biologia Celular e Estrutural – Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP
2. Laboratório de Microscopia Eletrônica – Universidade de Brasília/UnB
3. Herbarium Anchieta - PACA - Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS
INTRODUÇÃO:

A família Amaranthaceae sensu stricto possui cerca de 1000 espécies (75 gêneros) de ervas e subarbustos, distribuídos nos trópicos, subtrópicos e regiões temperadas da América e da África. No Brasil, ocorrem cerca de 100 espécies (17 gêneros). Exemplos de representantes da família são duas plantas conhecidas como ginseng brasileiro (Hebanthe eriantha (Poir.) Pedersen e Pfaffia glomerata (Spreng.) Pedersen). Cerca de 60 espécies de Amaranthaceae estão representadas em diversas fitofisionomias do Bioma Cerrado. A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cara Preta, criada em 1999, possui 975 hectares e se localiza próxima ao Parque Nacional (PARNA) Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso/GO, protegendo as nascentes do Rio Cara Preta e áreas de Cerrado de altitude. A literatura indica que, em 2002, em Goiás restavam cerca de 15% da cobertura vegetal de remanescentes de cerrado (vegetação que cobriu cerca de 50% do território do Estado). O mesmo estudo estima que, em 100 anos, restarão apenas as unidades de conservação com esta cobertura vegetal. Este trabalho visou levantar e coletar exemplares das espécies da família Amaranthaceae que ocorrem nessa RPPN, onde dados de herbários registram, desde 1965, a ocorrência da espécie Froelichiella grisea R.E.Fr., endêmica da região.

METODOLOGIA:

O acesso à RPPN Cara preta foi obtido através de autorização da ONG Oca Brasil. Desde setembro de 2006 até março de 2009, foram realizadas caminhadas para observar, fotografar e coletar espécimes. Durante essas caminhadas, as espécies de Amaranthaceae (ou suspeitas de pertencerem à família) foram fotografadas e suas localizações marcadas com GPS (Global Positioning System). Indivíduos não férteis foram marcados para acompanhamento do florescimento, a fim de determinar se pertenciam realmente à família Amaranthaceae, cujas flores pequenas são dispostas em inflorescências capituliformes e possuem, tipicamente, sépalas escariosas e secas. Após a determinação de que pertenciam à família, ramos férteis e não férteis das espécies foram coletados para confecção de exsicatas. O material coletado foi prensado imediatamente, suas informações de campo foram registradas em caderneta apropriada para tal e submetido à dessecação em estufa. Em laboratório, as espécies foram pré-identificadas com base em literatura e, através do Herbário IBGE, encaminhadas à especialista na taxonomia da família, para determinação final das espécies de Amaranthaceae presentes na área. Todas as exsicatas foram tombadas em herbários registrados (IBGE, PACA, UB, UEC, CEN).

RESULTADOS:

A vegetação da RPPN Cara Preta é tipicamente de cerrado, com altitude média de 1.500 metros, onde ocorrem 3 gêneros de Amaranthaceae. O gênero Pfaffia ocorre em um morro rochoso (até 1.525 metros de altitude). As demais espécies ocorrem nas áreas de campo limpo e rupestres, predominantemente em solo de quartzo arenoso, em relevo plano (1.500 m de altitude média). Foram registradas Froelichiella grisea R.E.Fr., Gomphrena hermogenesii J.C.Siqueira, Gomphrena lanigera Pohl. ex Moq., Gomphrena prostrata Mart., Pfaffia gnaphaloides (L.f.) Mart. e Pfaffia townsendii Pedersen. Observou-se que a brotação e a floração de F. grisea, erva perene endêmica da região, foram estimuladas pelo fogo. Da mesma forma, G. lanigera e G. prostrata, ambas herbáceas, também demonstraram tendências ao pirofitismo. Gomphrena hermogenesii, endêmica da região, encontrada em estádio vegetativo durante todo o ano, só floresceu após a ocorrência do fogo. Pfaffia townsendii, um subarbusto muito ramificado, é encontrado na RPPN o ano todo, sempre com registros de floração. Pfaffia gnaphaloides, herbácea, só foi registrada na área após ocorrência de fogo, na área basal do morro pedregoso onde ocorre P. townsendii, em plena floração, e seis meses depois continuava presente na área, em estádio vegetativo.

 

CONCLUSÃO:

O monitoramento da área e a ocorrência de fogo foram determinantes para a localização e identificação de Froelichiella grisea, Gomphrena lanigera e G. prostrata, bem como para o registro da floração de G. hermogenesii e P. gnaphaloides. O fogo quebra a dormência dessas espécies, estimulando a rebrotação das porções aéreas e/ou a floração. A RPPN Cara Preta possui 23%-25% das espécies de Amaranthaceae encontradas do PARNA Chapada dos Veadeiros, embora sua área represente apenas 1,5% da área do mesmo. Das 27 espécies de Amaranthaceae do PARNA, três podem ser consideradas invasoras, o que eleva o percentual de representantes na RPPN. Além disso, 33% das espécies encontradas na área são endêmicas e uma delas (Froelichiella grisea) é considerada ameaçada de extinção, na categoria de vulnerável. Assim, esse registro da família Amaranthaceae na RPPN Cara Preta é, particularmente, importante. O Brasil é um reduto de riqueza e endemismos de espécies de Amaranthaceae, com alguns táxons já identificados como ameaçados e outros com potencial medicinal. Associados à alta taxa de endemismo local de espécies, o presente trabalho reforça a importância de estudos taxonômicos, anatômicos e biogeográficos das espécies desta família, bem como a necessidade de conservação dos ecossistemas envolvidos.

 

Instituição de Fomento: : CNPq; Herbários IBGE, UB e PACA; ONG Oca Brasil.
Palavras-chave: Amaranthaceae, Cerrado, Pirofitismo..