61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
DIREITO DOS POVOS TRADICIONAIS INDÍGENAS E O PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS NO BRASIL
Laura Berdine Santos Delamonica 1
1. Faculdade de Direito, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS/ UFMG
INTRODUÇÃO:

O eixo central da questão indígena no Brasil refere-se ao problema da terra, uma vez que conflitos territoriais assolam a segurança e o desenvolvimento nacional. Importante também considerar que conceito de território, do ponto de vista das populações tradicionais indígenas, ultrapassa a visão da terra como simples meio de subsistência. Assim, o presente trabalho pretende tratar os direitos indígenas à terra como direitos decorrentes da tradicionalidade da ocupação da mesma, independente de demarcação, visto que a extensão do território indígena não pode se reduzir a equações matemáticas, pois a terra é essencial para a sobrevivência e preservação da identidade cultural autônoma desses grupos. A tradicionalidade inserida no conceito de ‘povos tradicionais indígenas’ é proposital, já que o conceito de povos tradicionais, apesar de amplo, apresenta três características fundamentais à argumentação deste trabalho: regime de propriedade comum, sentido de pertencer a um lugar específico, e existência de uma história de ocupação da região, guardada na memória coletiva. Logo, a demarcação deve ser vista como possibilidade de reafirmação social e territorial, apenas materializando o que estabelece o capítulo VIII, “Dos Índios”, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

METODOLOGIA:

Para a realização do presente trabalho, optou-se, principalmente, pela pesquisa bibliográfica e documental.  Foram analisadas obras doutrinárias, buscando fundamentar teoricamente o tema pesquisado. Considerou-se, inicialmente, uma abordagem histórica da questão indígena e do processo de ocupação territorial brasileiro, essenciais para a atual configuração do problema. Além disso, houve importante pesquisa de base legal e jurisprudencial para solidificar a posição adotada neste trabalho, examinando a questão no ordenamento jurídico brasileiro. Foram analisadas a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988; as Resoluções relativas às duas Décadas Internacionais dos Povos Indígenas do Mundo, propostas pela Organização das Nações Unidas – ONU; o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73); o Decreto 1.775/96 sobre demarcação de terras indígenas; e os Estatutos da FUNAI.  Consultou-se complementarmente os endereços eletrônicos de entidades defensoras dos direitos indígenas no Brasil e do Governo Federal. A pesquisa procurou adotar um enfoque interdisciplinar, que fosse capaz de captar as mais diversas visões sobre o tema, tanto de uma perspectiva jurídica, sociológica, quanto antropológica.

RESULTADOS:

A utilização econômica da terra ainda é um fator que impede o reconhecimento de um direito à terra inerente aos indígenas. A posse indígena, apesar de tutelada pela Constituição de 1988 e de ultrapassar o conceito de posse estabelecido pelo Código Civil Brasileiro, é um direito que não se efetiva facilmente por falta de integração de políticas públicas que ouçam realmente os anseios dos povos indígenas. As considerações finais dessa pesquisa versam sobre o desafio que constitui pensar os direitos indígenas de uma perspectiva não somente jurídica, mas também antropológica, almejando o reconhecimento da demarcação de terras não como uma simples tutela jurídica do Estado, mas como um símbolo de reconhecimento da tradicionalidade indígena e como instrumento de sobrevivência e preservação da autonomia dessas comunidades. Entende-se que a noção de lugar de pertencimento dos povos indígenas se expressa nos valores diferenciados que um grupo social atribui aos diferentes aspectos de seu ambiente, demonstrando que, para configurar uma comunidade indígena, não basta que uma porção de terra esteja demarcada, mas que seja o lugar de sua ocupação tradicional, cercado de simbologia e história para aquele povo, tendo reconhecidas as leis consuetudinárias que esses povos mantêm.

CONCLUSÃO:

A assertiva fundamental do presente trabalho é de que o direito à posse da terra não se encontra no processo de demarcação; é uma garantia constitucional que se fundamenta na tradicionalidade da ocupação territorial indígena, e no fato de que os índios eram proprietários originais das terras; seus direitos antecedem a qualquer ato administrativo do governo. No entanto, percebeu-se que o caráter tradicional da ocupação é, infelizmente, condicionado a interesses econômicos de exploração das terras. A falha não é legislativa, apesar da deficiência e incompatibilidade de alguns dispositivos do Estatuto do Índio com a Constituição de 1988, nem mesmo de efetivação propriamente dita. É uma falha no fundamento antropológico da efetivação, pois a demarcação de terras é ainda vista por grande parte da sociedade como uma benfeitoria aos índios, mas que na realidade ultrapassa qualquer direito positivado. O direito à terra é um direito histórico, galgado em sua ocupação ao longo do tempo, de forma sustentável e racional. As ações em defesa dos direitos indígenas devem se basear, portanto, em uma comunhão de vontades, na prática estatal em conformidade com o direito, e nas ações e manifestações indígenas segundo suas tradições, e em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: povos indígenas, ocupação tradicional da terra, demarcação.