61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 6. Ciência Política - 1. Comportamento Político
MULHERES SEM ESPAÇO NO PODER: ANÁLISE DO DÉFICIT DEMOCRÁTICO DE GÊNERO NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2004 E 2008
José Eustáquio Diniz Alves 1, 2
Suzana Cavenaghi 1, 2
1. Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE, do IBGE
2. Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE, do IBGE
INTRODUÇÃO:

Existe uma distorção na representação política parlamentar de gênero no Brasil. Durante mais de 500 anos os homens monopolizam o exercício dos cargos de direção política. Com o processo de redemocratização dos anos de 1980 as mulheres saíram de taxas de participação próximas de zero para algo em torno de 10% na média das instâncias municipais, estaduais e federais. A promulgação das Leis 9.100/95 e 9.504/97 como mecanismos de reservas de vagas para ambos os sexos visava reduzir o déficit democrático de gênero no Brasil. Entretanto, o ritmo de redução do hiato de representação de gênero tem sido muito lento e o país tem ficado para trás no cenário internacional. A pouca efetividade dos resultados esperados da legislação eleitoral se deve fundamentalmente a forma como as leis referidas acima foram redigidas, que permite se utilizar o percentual de 30% como teto e não como piso. Os resultados apontam para a existência de diversas variáveis explicativas e confirmam o fato de que o percentual de mulheres candidatas é um dos fatores mais decisivos para reduzir o desequilíbrio de representação entre os sexos nas Câmaras Municipais.

METODOLOGIA:
Em primeiro lugar, o trabalho analisa os percentuais de mulheres candidatas e mulheres eleitas para as Câmaras Municipais, agrupados por região, para as eleições municipais de 2004 e 2008. Os dados foram colocados em um gráfico de dispersão e tirada uma reta de tendência. Também foram identificados os municípios que lançaram os maiores percentuais de mulheres candidatas e de mulheres eleitas. Em segundo lugar, foi relacionado o percentual de mulheres eleitas com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M buscando verificar em que medida a maior participação feminina está ou não correlacionada com o desenvolvimento. Em terceiro lugar, foi aplicado um modelo de regressão logística, cuja variável dependente é o percentual de mulheres eleitas e as covariáveis: número de partidos, tamanho do município, número de candidatos/vagas, região, IDH-M, densidade demográfica, grau de urbanização, etc.  Por fim, comparou-se os avanços e recuos ocorridos entre as eleições municipais de 2004 e 2008.
RESULTADOS:

Os percentuais de mulheres candidatas e eleitas nos 26 Estados e os 5.562 municípios que tiveram eleições em 2004 e 2008 podem ser assim resumidos: a) em um número muito pequeno de cidades brasileiras os partidos não lançaram nenhuma mulher para o legislativo municipal; b) em cerca de 3 centenas de municípios foram lançadas entre 1 e 9,9% de vereadoras; c) a grande maioria das cidades lançou entre 10 e 29% de candidaturas femininas; d) no outro extremo, em cerca de 3 centenas de municípios a soma das candidaturas femininas ficou acima da cota mínima de 30%. Portanto, em menos de 10% dos municípios a soma das candidaturas femininas dos diversos partidos ficou acima da cota, tanto em 2004 quanto em 2008. Chama a atenção que em mais de 90% dos municípios a cota mínima feminina não foi atingida. Isto significa que, sistematicamente, os 30% estabelecidos na cota têm sido tratados como um teto e não como um piso para as candidaturas femininas. Na análise multivariada foi confirmado que: a) quanto maior o número de mulheres candidatas maior é o número de mulheres eleitas; b) as mulheres se elegem mais nos municípios onde há menos partidos e o coeficiente candidatos/vagas é menor; c) não existe relação positiva entre percentual de mulheres eleitas e IDH-M.

CONCLUSÃO:

A análise dos dados das eleições de 2004 e 2008 mostra que o aumento médio do número de mulheres candidatas leva necessariamente ao aumento médio do número de vereadoras eleitas. Neste sentido, as ações afirmativas tendem sempre a ter um efeito positivo. Assim, a limitação da política de cotas brasileira não está no “espírito da lei”, mas nas brechas da lei e na forma como os partidos encontram para “contornar” a legislação, restringindo o espaço para as mulheres. O Brasil só não elegeu uma quantidade maior de vereadoras porque o percentual de mulheres candidatas ficou abaixo de 30% na maioria absoluta dos municípios. Se o percentual de 30% fosse respeitado, como tem ocorrido quase sempre, então haveria um crescimento expressivo da representação parlamentar feminina no Brasil. O eleitorado tende a ser um aliado das mulheres, mas as direções partidárias misóginas restringem as oportunidades das candidatas. Para que a representação parlamentar feminina possa crescer de maneira expressiva seria preciso avançar na Reforma Política e mudar os termos da lei de cotas, promovendo: a) a redução do número de partidos – por meio de mecanismo como a cláusula de barreira, que tende a favorecer o sexo feminino, já que os dados mostram que as chances de eleição das mulheres aumentam quando é menor o número de partidos em cada município; b) alteração no cálculo do número de candidaturas de cada partido deveria cair de 150% para 100% das vagas – os dados mostram que o percentual de mulheres eleitas é inversamente proporcional ao coeficiente candidato/vaga; c) regras de definição da lista de candidaturas partidárias que garantam um percentual efetivo - mínimo e máximo - para cada sexo; d) a elevação da distribuição das candidaturas até se atingir a paridade, isto é, 50% das candidaturas para cada sexo; e) a criação de outros mecanismos de promoção das mulheres, como garantia de acesso aos fundos financeiros partidários, espaço na mídia, etc.

Palavras-chave: Mulher sem espaço no poder, Mulher na política, Política de cotas.