61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 2. Arqueologia - 4. Arqueologia
A TRADIÇÃO POLÍCROMA DA AMAZÔNIA: A FASE GUARITA NO RIO NEGRO
Fábio Origuela de Lira 1
Samya Fraxe Neves 2
1. Universidade de São Paulo
2. Faculdade Martha Falcão
INTRODUÇÃO:

Pesquisas arqueológicas realizadas nos últimos anos na Amazônia Central (Chirinos, 2007; Donatti, 2003; Lima et al, 2006; Machado, 2005; Moraes, 2007; Neves, 1998; Rebellato, 2007) têm levantado uma série de problemas científicos relativos à cronologia da ocupação humana pré-colonial na região. Um desses problemas diz respeito ao surgimento e expansão de sítios arqueológicos relacionados à fase Guarita da Tradição Policroma da Amazônia (TPA). As pesquisas realizadas junto à confluência do rio Negro e Solimões têm mostrado que, nesta área, as ocupações Guarita são caracterizadas por uma ruptura com ocupações anteriores, em termos de forma, densidade e duração de ocupação dos sítios. Desse modo, sítios da fase Guarita tendem a ser menores e menos densos que os sítios das fases Paredão e Manacapuru (Tradição Borda Incisa), ocupados anteriormente na área.

No Rio Negro são poucas as informações a respeito destes contextos cerâmicos. Simões e Kalkmann (1987) assinalam o encontro de dois horizontes, o primeiro representado pela TPA e o segundo relacionado ao material cerâmico, distinto de outras tradições amazônicas, denominando-a Tradição Cuaru, datados entre os séculos IX-XVI d.C. (Simões e Kalkmann, 1987).

Estariam estas Tradições relacionadas a grupos distintos, representando a TPA uma ruptura, assim como na Amazônia Central, a padrões já anteriormente estabelecidos? Em caso afirmativo a que grupo(s) estaria(m) relacionada(s)? Seria a TPA existente na região do Rio Negro mais recente que aquela encontrada em outras áreas da Amazônia?

Os primeiros relatos a respeito do rio Negro associam os primeiros grupos contatados na região como falantes de língua Arawak (Nimuendajú, 1982; Fritz, 2006 apud Pinto, 2006). Os relatos falam do intenso comércio existentes entre os grupos. O padre Samuel Fritz relata a visita de Manaós aos Yurimáguas (historicamente associados aos grupos de língua Tupi) próximo a atual cidade de Tefé, levando para comércio lâminas de ouro, vermelhão, raladores de yuca, redes de cachibanco, com outros gêneros de cestinhos e macanas (2006:80). Este relato nos faz supor sobre as relações de troca, inclusive de material cerâmico, ou mesmo de casamentos exogâmicos entre os grupos, com alianças estabelecidas e mantidas a partir da troca de mulheres, sabidamente as responsáveis pela confecção cerâmica na maioria dos grupos indígenas brasileiros.

Historicamente sabemos que o Rio Negro não foi povoado por grupos de língua Tupi, mas a presença da cerâmica da fase Guarita ocorre, comprovadamente, até o Médio Rio Negro, no município de Santa Isabel (Simões, 1974; Simões & Kalkmann, 1987). Relatos de Nimuendajú, feitos em 1927, levantam a hipótese sobre a existência da fase Guarita nos altos afluentes do Rio Negro (Nimuendajú, 1982:126; 163). Caso a cerâmica relatada por Nimuendajú, a que relaciona a fase Marajoara (TPA), pertencesse à fase Guarita, haveria, num primeiro momento, a possível desvinculação da produção cerâmica dos grupos de língua Tupi a TPA nesta região, já que regionalmente existe um complexo sistema sócio-cultural compartilhado por grupos de língua Arawak, Tukano e Makú, num antigo processo que reporta-se ao período pré-colonial (Galvão, 1979; Neves 1998).

Outro ponto chave de nossa pesquisa é a respeito da continuidade cultural existente na região. Os grupos do rio Negro são marcados pela clara associação entre sua historiografia oral e o registro arqueológico, num sistema multiétnico existente desde o período pré-colonial, como apontado por Neves (1998) entre os Tariano do rio Uaupés. É corrente na história oral local a mudança nos padrões de assentamento anterior a chegada dos europeus na região. Dentre seus relatos se configuram as histórias referentes às antigas aldeias, que segundo informações obtidas através de entrevistas, teriam formato circular ou semicircular, modificadas posteriormente para malocas comunais, por vezes com o formato de pequenas aldeias lineares (Bonifácio José Baníwa e Arlindo Maia Tukano, comunicação pessoal, 2006). Caso sejam confirmadas estas mudanças nos padrões de assentamento no registro arqueológico do Rio Negro, o que poderia ter levado a elas? Coincidiria com a chegada da fase Guarita?

 

METODOLOGIA:

O projeto engloba a região denominada de Baixo Rio Negro, que vai desde sua foz na cidade de Manaus e Iranduba, até fronteira do município de Novo Airão com Barcelos, no rio Jaú, na margem direita do Rio Negro e a foz do Rio Branco na margem esquerda. A região é habitada por diferentes grupos representados por populações ribeirinhas e grupos indígenas migrados do Alto Rio Negro. Seu principal produto é a mandioca, cultivada através da técnica da coivara, o que auxiliou na preservação das florestas existentes na região.

Os levantamentos realizados regionalmente tiveram um caráter inclusivo, com a participação das comunidades locais, centrando no levantamento de informações sobre o ambiente e os sítios arqueológicos. A partir das entrevistas foram realizados levantamentos com o caminhamento dos locais apontados e de suas áreas adjacentes, na busca de áreas propícias ao encontro dos sítios.

RESULTADOS:

Nos levantamentos realizados desde 2005, foram identificados aproximadamente 30 sítios cerâmicos, dos quais, 20, comprovadamente, possuem material associado à fase Guarita. Destes, o sítio Paricatuba, localizado na margem direita do Rio Negro, foi escavado e vem sendo analisado em laboratório. As análises priorizaram apenas o material procedente da camada de 0 a 40 cm, pertencentes a fase Guarita, comparando-os com os resultados obtidos até o momento para o rio Solimões e os relatos existentes para região, assim como a mito-história dos grupos indígenas.

CONCLUSÃO:

Conhecida como uma área tradicionalmente ocupada por grupos de língua Arawak, representado pelos Manaos, Mayapenas, Passé, Baníwa e Baré, alguns extintos no período colonial e outros migrados para o seu alto curso, a associação a TPA regionalmente poderia estar intimamente ligada a estes povos, fazendo-nos crer, que pelo menos nesta região, a fase Guarita não estaria ligada aos falantes do Tupi, assim como suscitado por Schaan (2007) para a TPA da foz do Amazonas.

A pesquisa encontra-se em fase de desenvolvimento e dados mais consistentes, incluindo o Médio curso do Rio Negro e o Baixo Rio Branco, são esperados para os próximos anos, com objetivo de refinamento dos resultados obtidos.

Instituição de Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
Palavras-chave: Rio Negro, Fase Guarita, Tradição Polícroma da Amazônia.