61ª Reunião Anual da SBPC
D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 3. Saúde de Populações Especiais
VENDA INDISCRIMINADA DE MEDICAMENTOS E A RELAÇÃO COM O ABORTO INDUZIDO
Renata Arnoldi 1
Frederico Alan de Oliveira Cruz 2
1. Universidade do Grande Rio
2. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO:
A automedicação é uma prática comum na população brasileira e tem um grande impacto sobre a saúde pública. O uso de medicamentos dispensados sem receita médica, atualmente, é aceito como parte integrante do sistema de saúde. Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma), o não cumprimento da obrigatoriedade da apresentação de receita médica faz com que existam no Brasil cerca de 80 milhões de pessoas adeptas da automedicação. No caso de mulheres gestantes a utilização de medicamentos vendidos sem prescrição potencializa o problema. A ilegalidade e a criminalização do aborto no Brasil usam do fácil acesso a medicamentos inseguros na gestação como uma alternativa para o aborto induzido. Além do uso de medicamentos como misoprostol e a mifepristona, medicamentos comumente utilizados para levar ao aborto terapêutico, que tem venda facilitada pela internet, vários medicamentos que podem causar aborto estão facilmente disponíveis na maioria das farmácias do Brasil e acabam se tornando uma alternativa barata para muitas mulheres grávidas. Nesse trabalho buscamos discutir o acesso aos medicamentos que são inseguros na gravidez e seu impacto na saúde pública em função do uso indiscriminado por mulheres que desejam interromper a gravidez.
METODOLOGIA:

Nosso trabalho foi divido em três etapas: 1) Pesquisar quais os medicamentos mais vendidos no Brasil atualmente, 2) identificação dos medicamentos que podem causar anomalia fetal e aborto e 3) análise estatística desses medicamentos. Na fase de identificação, utilizamos a relação dos medicamentos mais vendidos através do “site” Farmácia Central e posteriormente com o uso do Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) para observação da bula de cada um deles. Em nossa busca, realizamos a pesquisa através dos termos aborto e abortivo para facilitar a separação dos medicamentos com algum potencial abortivo ou não. Dos medicamentos com algum potencial abortivo, foram escolhidos apenas aqueles que podiam ser vendidos em controle, isto é, sem obrigatoriedade de retenção de receita, pois eram os de interesse em nosso estudo. Com os dados tabulados, foram realizadas as análises estatísticas com o objetivo de identificar qual a classe de medicamentos possui o maior número deles com potencial abortivo.

RESULTADOS:

Dos cem medicamentos pesquisados foram encontrados 63 medicamentos potencialmente inseguros, aqueles que pode causar algum dano a gestante e/ou ao feto, 31 considerados seguros, isto é, sem qualquer conseqüência, 4 deles consideramos não sendo medicamentos propriamente dito (Zerocal, Finn, Valda e Cepacol), 1 é contra-indicado a mulheres (Viagra) e 1 foi retirado do mercado recentemente (Vioxx). Entre os inseguros, foram observados que 37 deles possuíam informações claras sobre a possibilidade de causa de aborto ou má formação do feto, 20 não contém em sua bula informações de atenção as gestantes pela falta de dados clínicos, sendo que em ambos os casos os medicamentos não possuem a obrigatoriedade de retenção de receita. Foram observados que apenas 6 possuíam obrigatoriedade de retenção de receita, determinada pela portaria 344 de 1998 da Anvisa. Se analisarmos os medicamentos potencialmente inseguros, com informações claras sobre possíveis perigos, temos um total de 58,73% com potencial abortivo e sem qualquer controle sobre sua venda. Se considerarmos também aqueles sem dados clínicos, temos quase 90,5% de todos os medicamentos inseguros sendo vendidos sem retenção de receita, isto é, existe uma realidade que favorece o consumo de medicamentos como saída para abortos caseiros.

CONCLUSÃO:

É fácil perceber que a venda indiscriminada de medicamentos, além de estimular a automedicação, gera um impacto sobre o sistema de saúde e sobre a vida reprodutiva das mulheres que desejam interromper a gravidez e fugir da legislação punitiva sobre o aborto. Esse quadro, associado com a dificuldade de realizar estudos de segurança de medicamentos durante a gravidez, favorece o aborto inseguro, que por sua vez têm um grande impacto sobre o sistema de saúde. É necessário um maior controle sobre a venda de medicamentos com algum potencial abortivo com a apresentação e retenção da receita médica nos estabelecimentos de venda, bem como a participação efetiva dos profissionais farmacêuticos. Além disso, a legislação punitiva deve ser revista frente à magnitude do aborto como um problema de saúde pública, associado a uma política clara de saúde reprodutiva integral e universal.

Palavras-chave: medicamentos, aborto, gestante.