61ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 14. Zoologia - 6. Zoologia
ETNOZOOLOGIA YÚPURI BUBERA (TUKANO DO RIO TIQUIÉ), ALTO RIO NEGRO, AMAZONAS – BRASIL
Sunny Petiza Cordeiro Bentes 1
Pirõ-dihó 2
Eraldo Medeiros Costa Neto 3
Neusa Hamada 4
1. Pós-Graduação em Entomologia - INPA, CEP 69011-970, Manaus-AM, Brasil
2. Otacila Lemos Barreto, Gerência de Educação Indígena, Seduc-AM, Manaus-AM
3. Dep. de Ciências Biológicas da UEFS, BR 116, Km 03, CEP 44031-460, Bahia
4. Coordenação de Pesquisas em Entomologia - Inpa, C.P. 478, Manaus-AM
INTRODUÇÃO:
O grupo Yúpuri Bubera pertence à etnia Tukano, povo mais numeroso do tronco lingüístico Tukano oriental, concentrados principalmente na área cultural do Alto Rio Negro. Os Tuyuka mantém relações de parentesco com os Tukano e também pertencem ao mesmo tronco lingüístico. A relação destes povos com os animais pode ser observada em seu cotidiano: mulheres reúnem-se para a extração de fibras de palmeiras, homens durante a caça, pesca ou em atividades religiosas, lideradas pelos kumua, bayá e pajés. Analisar as formas de classificação animal através de conhecimentos Tukano orientais e compará-las com a classificação tradicional lineana constituiu-se no objetivo maior deste trabalho. As questões discutidas aqui consistem em duas perguntas: Quais critérios são utilizados pelos Tukano para classificar animais?; até que ponto a classificação tukano possui semelhanças e/ou diferenças com relação à classificação lineana? Desafiar a ciência na proposição de hipóteses que já podem ser comprovadas pelo saber tradicional é um dos aspectos mais interessantes da pesquisa etnobiológica. Esta pesquisa aponta que vaga-lumes podem estar associados ao breu. Resta à comunidade científica e Tukano orientais descobrirem quais espécies de Elateridae estão associadas ao breu e como se dá esta interação.
METODOLOGIA:
A pesquisa foi realizada em Manaus no bairro São Jorge com a família da pesquisadora tukano Pirõ-dihó, sua mãe tuyuka Antonia Lemos (Somé) e seu sobrinho e artista tukano João Kennedy (Bu’ú). Todos da etnia Tukano pertencentes ao grupo Yúpuri Bubera da comunidade São Domingos Sávio (afluente do rio Tiquié, acima de Pari Cachoeira). Durante a pesquisa foram utilizados livros sobre insetos e mamíferos da região amazônica: Amazon insects (Castner, 2000) e Neotropical Rainforest Mammals: a field guide (Emmons, 1997). Na medida em que os livros foram sendo folheados, a família conversava entre si tentando reconhecer os nomes dos animais na língua tukano. A pesquisa foi conduzida na forma de entrevistas em português e diálogos abertos em tukano e tuyuka sobre identificação de insetos e mamíferos visualizados nos livros citados acima. Todos os relatos foram gravados em mini-fitas de áudio para serem comparados com o material escrito e para auxiliar na transcrição dos nomes. Como ferramenta de análise para uma compreensão da visão, memória e saberes Tukano, a pesquisa mostrou a relação interdependente que há entre os caracteres ético e êmico da etnobiologia, na qual a família demonstrou possuir conhecimentos bastante fundamentados sobre a etnotaxonomia zoológica tukano.
RESULTADOS:
As informações foram analisadas segundo aspectos lingüísticos e biológicos, que incluem informações (etno)taxonômicas, etológicas e ecológicas sobre etnoentomologia e etnomastozoologia Tukano oriental. Waikárã refere-se a animais de modo geral. Na Etnoentomologia tukano, podemos identificar na fala de Somé, quando se refere a libélulas - Owéo bate a bunda na água - o comportamento de pôr ovos repetidas vezes em poças d’água, apresentado por algumas Odonata (Anisoptera). Vaga-lumes (Elateridae: Coleoptera) são conhecidos por keró na língua tukano e os dois Semiotus sp. que aparecem em Castner (2000) foram identificados por keró-soágä (vaga-lume vermelho) e keró-burtivihigä (vaga-lume pardo), evidenciando que este inseto é classificado tomando-se por base sua coloração. O conhecimento Tukano sobre estes besouros vai ainda mais longe quando reconhecem a relação destes insetos com espécies vegetais que apresentam breu, apontando o gênero Pyrophorus sp. no seguinte comentário “onde tem breu ele voa”. Os Felidae são conhecidos por Iaí na língua tukano e também tomam por base diferentes padrões de coloração para identifica-los. Felidae (Iaí) – Iaí-dorogã (Panthera onca – Onça pintada), Iaí-nhingä (Herpailurus yaguarondi – Maracajá preto) e Iaí-soágä (Puma concolor – Onça vermelha). Roedores são classificados de acordo com seu tamanho e hábitos: Didelphidae, mucuras (Monodelphis sp. - oá) e catitas (Philander opossum - bii). Oá, segundo a família entrevistada, “come mari caído, mutakaí”, revelando conhecimentos sobre o hábito de forrageamento destes roedores.
CONCLUSÃO:
Conseguimos detectar cinco categorias etnotaxonômicas, reconhecidas pela família Tukano Yúpuri Bubera, equivalentes às categorias lineanas: Waikárã para reino Animalia, Owéo para ordem Odonata, Wirsõa para Sciuridae, Keró, gênero Semiotus e Keró-soágä, espécie não identificada ou não descrita pela entomologia Semiotus sp1 (vagalume vermelho). Uma característica bastante notável no modo de classificar animais em tukano é a observação de diferentes padrões de coloração, como em Elateridae (Semiotus sp. - Keró) e Felidae (Iaí). Não podemos afirmar que o modo de classificação tukano é feito de modo hierarquizado, como o sistema de Lineu, até porque muitos povos indígenas da América do Sul atribuem sentimentos e formas de organizações sociais aos animais. No entanto, podemos perceber através desta pesquisa que a classificação tukano oriental para alguns indivíduos Hexapoda e Mammalia chega a ser tão profunda quanto à do conhecimento científico. De forma geral, temos que o conhecimento biológico está presente de forma muito viva na memória dos povos Tukano que viveram em aldeias e comunidades ao longo do rio Tiquié e de seus afluentes.
Palavras-chave: etnoentomologia, etnomastozoologia, Ye'pá masã.