61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação
EDUCAÇÃO E BIOPODER: UM ESTUDO EMPÍRICO
Carlos Rubens de Souza Costa 1
1. Programa de Pós-Graduação em Educação/Universidade de São Paulo/USP
INTRODUÇÃO:

O neologismo biopoder, criado por Michel Foucault, designa uma forma contemporânea de poder que se exerce sobre a vida, com o objetivo de geri-la e majorar-lhe as forças. O biopoder apresenta dois pólos: o da disciplina (que investe sobre a vida dos corpos individuais) e o da biopolítica das populações (que investe sobre a vida da espécie). O pólo disciplinar usa, como recurso principal, a vigilância; o pólo biopolítico recorre, principalmente, a controles reguladores de aspectos da vida das populações: suas taxas de natalidade, de saúde, de morbidade, de envelhecimento, de mortalidade etc.  A emergência dessa forma de poder produziu vários efeitos sobre a educação. Dois deles, entretanto, permanecem pouco estudados: o primeiro é a pedagogização de múltiplos aspectos da vida relacionados ao corpo (saúde, higiene, sexo, alimentação, beleza física, segurança etc.); o segundo é a desterritorialização/reterritorialização da educação, que deixa de estar circunscrita à escola e à família e se espraia por todo espaço social. Este trabalho teve como objetivo estudar esses efeitos em um espaço determinado: o Terminal Rodoviário Tietê (TRT), localizado na cidade de São Paulo.

METODOLOGIA:

Na pesquisa, fizemos o uso combinado das seguintes técnicas: (1) Observação, que se realizou primeiramente sob uma forma exploratória (de outubro de 2007 a agosto de 2008) e depois (de setembro de 2008 a fevereiro de 2009) de forma sistemática. (2) Entrevistas com atores sociais, que trabalham no TRT (seguranças, assistentes sociais, agentes de saúde, lojistas etc.) e com usuários. (3) Análise dos discursos materializados em avisos, banners, folhetos, páginas da internet e falas à população por meio da mídia impressa, falada e televisionada.

RESULTADOS:

No TRT, as relações entre educação e biopoder apareceram: (1) Na ação dos seguranças. Estes, além da vigilância, são instados a informar, instruir, sugerir. Suas admoestações devem ser sempre educativas (p. ex.: ao avisar um usuário de que não pode sentar nas escadas, o segurança deve explicar as razões dessa norma; ao avisar outro de que sua bolsa está aberta, ele deve alertá-lo sobre os riscos que corre). (2) Na ação das assistentes sociais. Ao mesmo tempo em que garantem abrigo e alimento a imigrantes necessitados, elas lhes dão palestras e lhes cobram respostas comportamentais (p. ex.: que se banhem, façam a barba, lavem as próprias roupas). (3) Nas campanhas realizadas na mídia, nos períodos de grande afluxo de passageiros (férias, feriados). Nessas ocasiões, a eficácia da vigilância no TRT é diminuída e aumenta o índice de roubos. Comportamentos preventivos minuciosos são, então, recomendados a todos os que passarem pelo TRT nesse período. (4) Nas campanhas assistenciais, como a “do agasalho”. Tais campanhas buscam não apenas recolher donativos, mas também despertar o sentimento de solidariedade e responsabilidade para com o sofrimento do outro. (5) Nas campanhas de saúde (vacinação, detecção precoce do câncer, uso de camisinha etc.). É nelas que as relações entre educação e biopolítica aparecem de modo mais nítido.

CONCLUSÃO:

O TRT é um dos espaços privilegiados da relação entre biopoder e educação. Nele, essas relações assumem múltiplas formas. Porém, as ações educativas nele presentes convergem predominantemente para dois aspectos da vida dos indivíduos e da população: a segurança e a saúde. No primeiro caso, destaca-se o pólo disciplinar e o efeito visado é produzir nos indivíduos uma autovigilância como forma de evitar comportamentos que os exponham a riscos. No segundo caso, destaca-se o pólo biopolítico e o efeito visado é também preventivo, mas seu alvo é a população. Dado o fato de pelo TRT passar um número muito elevado de pessoas, nenhuma campanha de saúde pode ignorá-lo. Biopolíticas por definição, essas campanhas não podem, porém, dispensar o recurso à vigilância, indispensável para a triagem, feita segundo sexo e idade, da população alvo. Além disso, a eficácia pedagógica dessas campanhas costuma ser atribuída à relação tête-à-tête do usuário com os agentes de saúde, o que indica que a educação biopolítica, mesmo voltada para o conjunto da população, não deixa de ser individualizante. Por fim, como as pessoas que passam pelo TRT endereçam-se aos mais diferentes pontos do Estado de São Paulo e do país, o terminal também funciona como um foco de irradiação de uma educação sanitária.

Palavras-chave: Educação, Biopoder, Michel Foucault..