61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 3. Direito Civil
SUPERANDO O DETERMINISMO NORMATIVO: A FAMÍLIA PARA ALÉM DA FAMÍLIA
Nara Pereira Carvalho 1
Brunello Stancioli 2
1. Mestranda - Universidade Federal de Minas Gerais
2. Prof. Dr. - Universidade Federal de Minas Gerais
INTRODUÇÃO:

Instituição talvez tão antiga quanto a existência das pessoas, a família é constantemente anunciada como a base da sociedade (inclusive, pelo art. 226, caput da Constituição). É o local onde as pessoas tendem a desenvolver os mais profundos vínculos de convivência, que repercutirão, direta ou indiretamente, nas ações entre homens. Paradoxalmente, é comum falar-se na decadência da instituição.

O desaparecimento da organização patriarcal; o maior número de mulheres no mercado de trabalho; a elevação dos casos de separação e divórcio; a opção pela constituição familiar por formas diversas do casamento; o surgimento de métodos contraceptivos, com consequente diminuição do número de filhos; as manifestações em prol do reconhecimento de uniões homoafetivas, são alguns dos fatores associados à crise da família, que estaria fadada à extinção.

Porém, antes de se proclamarem idéias de desagregação e desprestígio, é importante ter ciência do processo de profunda transformação que o instituto vem sofrendo, à luz da dinamicidade tão característica dos tempos de hoje. Para tanto, propõe-se repensar o conceito de família. Afinal, mesmo para uma leitura mais apurada de textos normativos diversos (em que se estatuem direitos e/ou deveres à instituição), é preciso saber o que se entende por família.

METODOLOGIA:

Uma vez traçada a índole transdisciplinar ao trabalho, a metodologia deve guardar coerência com a intrincada tarefa de construir um meta-discurso, capaz de integrar conteúdos não só de Direito, mas também de Filosofia, História, Teologia e Sociologia.

Para isso, trabalhou-se, inicialmente, com a análise de conteúdos. Partindo da Obra de VILLELA, e apoiando-se em dados históricos e estatísticos, fez-se reconstrução das mudanças ocorridas na sociedade e que repercutiram no âmbito familiar, sobretudo a partir do século XIX. Procederam-se, então, estudos críticos de material bibliográfico, nacional e estrangeiro, e análise comparativa de documentos normativos.

À Obra de VILLELA associam-se outros referenciais teóricos que levam em conta a separação entre Igreja e Estado, e que evidenciam a noção de pluralismo (moral e democrático) do Estado de Direito Contemporâneo. Nesse sentido, trabalhou-se com autores que tratam do secularismo (ADRAGÂO, CATROGA, TAYLOR) e, evidentemente, do Estado Democrático de Direito (HABERMAS), de modo a se aferir que a ética intersubjetiva supera as morais particulares (inclusive a cristã) e deve alicerçar a construção e a leitura da instituição familiar.

RESULTADOS:

Adstrita à visão de unidade de caráter econômico, político, social e religioso, a família consistia num organismo preordenado a interesses externos e alheios.  Em tempos de epidemias, “fornecia” recursos humanos. Nela, ensinavam-se arte e ofícios, e se realizava todo o ciclo econômico. A renda e a estabilidade social lhe estavam intimamente vinculadas.

Com o surgimento de escolas, associações, sindicatos e partidos políticos, muitas das atividades concentradas na família passam a ser exercidas no espaço público. Tal desencargo tornou-a mais apta para ser o local onde os integrantes buscam superar sentimentos de isolamento e manifestarem afetividade. Não é mais o indivíduo que existe para a família, mas esta que existe para o desenvolvimento pessoal daquele.

Assim, num contexto de Estado Democrático, traçar um perfil ideal seria de pouca (ou de nenhuma) utilidade. Endossa-se a existência de um modelo aberto de família, que se paute na liberdade e que contemple as variadas necessidades das pessoas. Simultaneamente, reconhece-se que ela é constantemente (re)construída por seus partícipes.

O que está em crise, portanto, é a visão estagnada de família: como instituição social que é, sofre modulações a fim de ser adaptada às mudanças da sociedade que embasa.

CONCLUSÃO:

Instância primeira de constituição de vínculos afetivos, a família é um dos ambientes propícios para o desenvolvimento da capacidade de as pessoas criarem as suas regras e, assim, terem melhor consciência da liberdade que possuem. Uma das maneiras de expressar essa liberdade dá-se na própria configuração da família, que terá os contornos que os seus membros lhe queiram dar.

Verifica-se a seguinte tendência: com o progressivo incremento da democracia, tem-se menor controle do Estado e da religião na vida particular e, por conseguinte, maiores são as formas possíveis de manifestação da pessoa. Paulatinamente, essas possibilidades, compreendendo o âmbito familiar, passam a ser afirmadas na esfera pública.

O atual reconhecimento de formas familiares paralelas ao casamento, como a união estável (de pessoas de sexos diferentes ou não), é apenas parte de um movimento muito mais amplo que preconiza a diversidade familiar. Factível, inclusive, a existência da família comunal, cuja presença a História dá notícia.

Desse modo, a despeito das mudanças, a família sobrevive ao longo da história e a sua existência não está condicionada a agentes externos (como Estado ou Igreja). Dela, subsiste o núcleo básico em que seus membros buscam a máxima realização pessoal por meio da afetividade.

Palavras-chave: família, autonomia, pluralidade.