61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 3. Direito Civil
O NEGÓCIO JURÍDICO COMO ATO DE FALA: UMA RELEITURA DA TEORIA DO NEGÓCIO JURÍDICO A PARTIR DE J. L. AUSTIN
Aline Rose Barbosa Pereira 1
Brunello Souza Stancioli 2
1. Graduanda - Universidade Federal de Minas Gerais
2. Prof. Dr. - Universidade Federal de Minas Gerais - ORIENTADOR
INTRODUÇÃO:

A teoria do negócio jurídico ocupa um lugar central na compreensão do Direito Privado. Entretanto, devido à amplitude do conceito, que abrange todos os contratos e negócios unilaterais, verificam-se dificuldades na apreensão de seu conteúdo, que pouco mais exprime do que a declaração negocial.

 

Não por acaso, a doutrina vem se dividindo há mais de dois séculos entre vontade real e declaração na interpretação do negócio jurídico. A discussão, centrada nessa dicotomia, além de perder de vista a unidade do fenômeno contratual, apresenta-se ora de maneira dogmática, ora sem a devida precisão teorética.

 

Evidencia-se, pois, a necessidade de se aprofundar o estudo dos conceitos de vontade real e declaração na teoria do negócio jurídico. Sendo este a construção intersubjetiva da regulação jurídica vinculante que será posta em vigor entre as partes, mais importante que a relação entre o querer íntimo do agente e sua declaração é questionar como a autonomia e a linguagem apresentam-se nessa construção.

 

Daí o estudo da teoria dos atos de fala de J. L. Austin (1976), que traz a idéia de que a linguagem é, na maioria das vezes, uma forma de ação – capaz, portanto, de evidenciar a autonomia de agir.

METODOLOGIA:

Nesta pesquisa, eminentemente teórica e transdisciplinar, foi adotada como marco teórico a Teoria dos Atos de Fala apresentada por J. L. Austin na obra How to do things with words (1976). Recorreu-se também a bibliografia jurídica nacional e internacional, bibliografia de filosofia, documentos normativos e julgados. As idéias apresentadas foram construídas através do diálogo constante entre os autores.

 

Partimos da conhecida noção de declaração de vontade, em contraposição à de vontade real, questionando se é essa a maneira mais adequada de explicar o negócio jurídico (problema). Para tanto, analisamos criticamente as teorias mais conhecidas acerca do assunto, tal como apresentadas em manuais de direito civil, atentando para os problemas práticos que elas implicam.

 

Em seguida, aprofundamos estudos em filosofia da linguagem, buscando a compreensão dos conceitos e noções formulados na obra tomada por marco teórico. Finalmente criticamos, com base nos resultados obtidos, a teoria tradicional do negócio jurídico em sua formulação corrente nos manuais nacionais.

RESULTADOS:

Em várias situações a linguagem não se restringe a descrever estados de coisas (com declarações, verdadeiras ou falsas, sobre a realidade), senão constitui autêntica forma de ação. Um exemplo é o casamento. Em circunstâncias especiais, ao dizer “sim” os noivos não declaram sua vontade ou o que estão fazendo: eles se casam. Ao emitir “declarações de vontade” num certo contexto as partes não estão declarando o que querem, mas, efetivamente, agindo: comprar, vender, doar, etc.

 

Não se teria, pois, declarações de vontade, mas proferimentos performativos, ou melhor, proferimentos dotados de uma determinada força ilocucionária. Na celebração de negócios jurídicos ocorrem mudanças objetivas e intersubjetivas na realidade.

 

Segundo a teoria tradicional do negócio jurídico, o proferimento é apenas a exteriorização de um ato que ocorre na subjetividade do indivíduo – a formação da vontade. Daí a dicotomia entre vontade real e declaração.

 

Todavia, a explicação do negócio jurídico através dessas noções e as subseqüentes discussões entre vontade real e vontade declarada se baseiam em um pressuposto errado: a declaração é o veículo de exteriorização de uma vontade interior. Por sua vez, esse pressuposto está ligado à não-percepção pelos teóricos do direito de que agimos através da linguagem.

CONCLUSÃO:

A idéia de declaração, que leva à cisão declarante / declaratário, perde de vista a unidade do processo comunicativo em que se constrói o conteúdo negocial. As partes, atores desse processo, são simultânea e indissociavelmente declarante e declaratário. Destarte, a explicação do negócio jurídico através da noção de declaração de vontade é inadequada e insatisfatória.

 

O fundamento do negócio jurídico não é, como afirmado correntemente, a vontade das partes, mas a autonomia interativa e dialógica. E esta se revela na capacidade de agir! Tampouco seus efeitos jurídicos derivam da vontade, senão da construção intersubjetiva do negócio através de atos de fala.

 

Além de permitir refutar, sobre bases sólidas, as teorias do negócio jurídico como declaração, a teoria dos atos de fala de Austin aponta um caminho promissor para a construção de uma nova teoria do negócio jurídico: a noção de um ato de fala dotado de certa força ilocucionária. A apreensão satisfatória da complexidade do fenômeno contratual pressupõe uma teoria necessariamente transdisciplinar. Para tanto, deve-se ir além do que aqui foi proposto e feito, aprofundando estudos no desenvolvimento posterior das teorias sobre comunicação humana, o que se mostra, como visto, não só possível, mas também recomendável.

Palavras-chave: Negócio Jurídico, Ato de fala, J. L. Austin.