61ª Reunião Anual da SBPC
D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 3. Saúde de Populações Especiais
ADESÃO AO HIPERDIA NO PSF EM MANAUS: NARRATIVAS E TRAJETÓRIAS DE VIDA DE IDOSOS
Taui Garnelo 1
Danielle Albuquerque 1
Márcio Faria 1
Fernanda Carlos 1
Luiza Garnelo 1, 2
1. Graduando - Centro Universitário Nilton Lins
2. Profa. Dra. - CENTRO UNIVERSITÁRIO NILTON LINS
INTRODUÇÃO:

O crescimento da população idosa é um fenômeno irreversível. No Brasil ele segue a tendência mundial; no início da década de 90 os idosos representavam 7,3% da população geral, passando para 8,6% em 2000. (IBGE, 2002).

Segundo Souza & Garnelo (2008), o crescimento do número de idosos associa-se ao incremento da morbi-mortalidade por doenças cardio-circulatórias e metabólicas, com destaque para a hipertensão arterial e diabetes. O Ministério da Saúde reconhece o sinergismo entre ambas condições e preconiza atendimento integrado, através do Programa de Controle de Hipertensão e Diabetes (Hiperdia) na rede atenção básica. O tratamento medicamentoso é insuficiente para o controle dessas afecções, demandando reestruturação dos comportamentos dos doentes e um atendimento integral que inclua dimensões psicológicas, sócio-econômicas e culturais que ultrapassem as limitações do tratamento biomédico rotineiramente oferecido. A isso somam-se as elevadas taxas de abandono do tratamento ou recusa das prescrições médicas pelos idosos (Silveira & Ribeiro, 2005).

A pesquisa visou apreender o processo saúde-doença estruturado em torno da hipertensão e do diabetes na terceira idade e razões do abandono ou recusa ao tratamento no PSF em Manaus.

METODOLOGIA:

Pesquisa qualitativa (estudo de caso) realizada em Unidade PSF, em Manaus. Critérios de seleção dos participantes: maior de 60 anos cadastrado no programa hiperdia; ter abandonado o tratamento ou ser faltoso contumaz. Marco teórico: teoria das representações sociais (Moscovici, 1981; Jodelet, 1989), entendidas como produções cognitivo-afetivas orientadoras da ação, voltadas para atribuição de sentido ao cotidiano. Dimensões traçadoras: 1) adesão/não adesão às prescrições; 2) integralidade do cuidado na rede básica de saúde; 3) encontros/desencontros entre as bases terapêuticas do hiperdia (uso contínuo de medicamentos; dieta hipossódica, com baixos teores de gordura e carbohidratos e exercícios físicos regulares) e as condições de vida dos entrevistados. Conceitos-chave: adesão ao tratamento: relação multifatorial de cooperação mútua entre cuidador e cuidado para viabilizar o seguimento das prescrições emanadas da equipe de saúde; envolve o reconhecimento da condição patológica, dos fatores de risco e o cultivo de hábitos e atitudes promotores da saúde (Silveira & Ribeiro, 2005). Integralidade: forma totalizante de oferta de atendimento em saúde, voltada para integração das dimensões biológicas, psicossociais e culturais do processo saúde-doença (Matos, 2001).

RESULTADOS:

97% dos usuários selecionados foram entrevistados. Todos tinham baixa renda e alta vulnerabilidade. 48% contavam com suporte familiar canalizado para terapias alternativas, ou serviços de pronto-atendimento. Dos 62% sem apoio familiar 40% geriam sozinhos seus problemas. Os socialmente desassistidos apresentavam os níveis tensionais mais elevados. Em algumas famílias havia má-disposição com o idoso, associada à história pregressa de violência e abuso de álcool. A maioria dos hipertensos só tomou conhecimento da doença após episódio agudo, seguido de atendimento de emergência ou internação. Os diabéticos não detinham explicações estruturadas sobre origem, constelação sintomática e conseqüências da doença. À exceção de um entrevistado que já padecia de cegueira, todos diziam “não sentir nada”, ao contrário das cefaléias bem caracterizadas e atribuídas à hipertensão. Nenhum entrevistado seguia a dieta preconizada. Todos haviam tentado e desistido em alguma fase do tratamento, alegando irritabilidade pela fome não saciada; perda do gosto pela vida associado à comida sem sal e sem açúcar e incômodo com a vigilância familiar das transgressões alimentares. Todos os entrevistados desenvolviam trabalho braçal anterior e entendiam a velhice como fase do descanso, rejeitando o exercício.

CONCLUSÃO:

Os achados da pesquisa podem ser referidos ao campo da promoção a saúde, cujas premissas congregam dimensões subjetivas, culturais, econômicas e a oferta acolhedora e integral de serviços de saúde, além do fortalecimento e co-responsabilização dos sujeitos na preservação da saúde (Buss, 2003). As narrativas e situações observadas mostram que, longe de abandonar o tratamento, os entrevistados estão ativamente engajados em outros sistemas de cuidados considerados capazes de acolher suas necessidades afetivas e sócio-culturais. Tais opções problematizam os enfoques fragmentários dos serviços ofertados na rede de saúde e os limites do atendimento curativo-individual ali realizado. Os idosos enfrentam penosas condições de vida e lidam com problemas que não podem equacionar com o baixo suporte institucional que lhe ofertam. As complexas nuances do envelhecimento geram desdobramentos subjetivos cuja compreensão exige uma aproximação do ponto de vista dos idosos, evitando que sejam confundidos com recusa, rebeldia ou desinteresse. O conhecimento do contexto que cerca o chamado “abandono de tratamento” pode contribuir para a pactuação de compromissos capazes de equilibrar necessidades percebidas pelos idosos com o rigor técnico necessário para o controle de suas patologias. 

 

Palavras-chave: Atenção Primária a Saúde , Saúde do Idoso, Atenção Programática Hiperdia.