61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
AS MÍDIAS LIVRES E O ENCONTRO DA UNIVERSIDADE COM AS CULTURAS BRASILEIRAS
Guilherme Gitahy de Figueiredo 1
Pedro Pontes de Paula Júnior 1
1. Centro de Estudos Superiores de Tefé da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
INTRODUÇÃO:

Em 2007, o Centro de Estudos Superiores de Tefé da Universidade do Estado do Amazonas (CEST-UEA), em parceria com o Centro de Mídia Independente de Tefé (CMI-Tefé), começou a levar atividades com mídias livres para as terras indígenas, assembléias do movimento indígena, bairros e comunidades como parte do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia em Tefé (Figueiredo, 2008b). Em outro trabalho (Figueiredo, 2008a), a teoria das “artes de fazer” de Certeu (2003) e a etno-história dos povos indígenas do Solimões foram ferramentas para analisar o modo como eles estavam se apropriando das oficinas de mídia livre para a sua centenária luta por autonomia. Paula e Figueiredo (2008), por sua vez, analisaram as trajetórias dos voluntários do CMI-Tefé. A perspectiva do CEST-UEA foi abordada num estudo que apontava a tentativa de se preservar a autonomia destes voluntários, como forma de se alcançar os objetivos pretendidos de democratização da comunicação (Figueiredo, 2008c). O que se pretende aqui é reunir estas contribuições para iniciar uma reflexão sobre as mídias livres enquanto instrumento poderoso para fazer valer o já centenário ideal de uma universidade brasileira que seja espaço de cultivo das culturas nacionais (Teixeira, 1954; 1988; Ribeiro, 1986; Luckesi, 2005).

METODOLOGIA:

Para a etnografia da apropriação das oficinas e mídias pelos indígenas foi utilizado Certeau (2003): “cultura popular” corresponde a “artes de fazer” ou “táticas” em que o povo realiza “bricolagens”, recombinando os produtos e os espaços dominantes de modo a conferir-lhes novos usos e significados conforme suas tradições e objetivos. A etno-história desses povos ajuda a reconstituir a centenária luta por autonomia (Falhaber, 1998; Oliveira R. C., 1996; Oliveira J. P., 1977; 1999), de modo a melhor compreender suas táticas atuais e a apropriação das mídias livres para fortalecê-las. Para o estudo da trajetória dos voluntários do CMI-Tefé privilegiou-se a realização de histórias de vida a partir da tradição que vê na história oral a possibilidade da democratização da história (Thompson, 1992). O CEST-UEA, por sua vez, tem tentado usar a teoria dos dispositivos disciplinares (Foulcault, 2008; Illich, 1973) presentes nas instituições modernas e na universidade para pensar modos de garantir a expansão das “táticas” ou “cultura popular” em seus espaços e atividades. Finalmente, através da leitura de alguns dos principais idealizadores da universidade brasileira, tais como Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, espera-se buscar as raízes do ideal de sua integração às culturas nacionais.

RESULTADOS:

As táticas indígenas visam a autonomia e se fortalecem com a diversificação dos atores (comerciantes, FUNAI, Igreja, universidade), o diálogo através do qual agenciam direitos e a pressão, quando o diálogo não é possível. As mídias entram, assim, como ferramentas para o diálogo e a pressão em sua luta por direitos relativos a terras, cultura, educação, etc. As atividades dos voluntários do CMI, por sua vez, estão propiciando a eles o acesso a tecnologias e à produção cultural; o trabalho de organização e a relação crítica com a informação e a cultura está contribuindo para um aumento considerável de participação política e interesse em movimentos como o estudantil e o indígena; estão conquistando novas oportunidades profissionais; finalmente, estão vencendo barreiras como a timidez e a auto-estima, abrindo novas fronteiras de diálogo e colaboração social. A Universidade tem propiciado, para estas atividades, o ensino em cursos ordinários e de extensão ligados à comunicação social e à antropologia, o apoio institucional e com bolsas de iniciação científica, e mesmo com a disponibilidade de espaços e equipamentos. Tem alcançado, desta maneira, realizar o velho ideal da universidade brasileira enquanto espaço para o cultivo das culturas nacionais.

CONCLUSÃO:

Em 1935, com a fundação da Universidade do Distrito Federal, Anísio Teixeira inaugurou uma era de esforços para superar o caráter colonial do ensino superior no Brasil através da liberdade de expressão, de crítica e debate, tornado a universidade espaço de transmissão e produção das culturas brasileiras. A importância das mídias livres para a consolidação deste ideal tem sido reconhecida, como se vê nesta carta do reitor da Unicamp Jorge Tadeu (2009) ao ministro da justiça Tarso Genro após a apreensão de equipamentos de rádio livre em seu campus: [é preciso] “rever as regras que impedem o crescimento das rádios comunitárias (...) acreditamos – e este é o pensamento dominante não só nesta mas nas universidades brasileiras de um modo geral – que com isto muito ganharia a liberdade de expressão no país, como também a produção cultural e a difusão de culturas comunitárias peculiares num universo tão diversificado e rico como é o Brasil, entre as quais se inserem as comunidades universitárias”. A UEA em Tefé, a partir da autocrítica de suas hierarquias, tem inventado combinações de ensino, pesquisa e extensão para facilitar o desenvolvimento autônomo, dialógico e solidário de diferentes atores e suas culturas populares. As mídias livres têm se revelado um instrumento poderoso para desencadear este processo.

Palavras-chave: universidade, mídia livre, cultura popular.