61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 1. Sociologia da Saúde
PARTEIRAS TRADICIONAIS DA FLORESTA DO MÉDIO SOLIMÕES
Maria de Fátima Ferreira 1
1. Universidade do Estado do Amazonas/Centro de Estudos Superiores de Tefé – UEA/CE
INTRODUÇÃO:

Até a década de 50, no Brasil, a grande maioria dos partos era a domicílio e assistidos por parteiras. Com o surgimento do INPS em 1967 e a organização dos hospitais o parto vai institucionalizando-se progressivamente e transferindo-se para o hospital. Em 1989, o país recebe o título de campeão do mundo em cesárea. Atualmente, enquanto em cidades do Sul e Sudeste encontramos taxas elevadas de cesarianas, nos estados do Norte e Nordeste um grande número de partos é feitos por parteiras tradicionais, a domicílio (Ferreira, 1993). Estima-se que existem em torno de quarenta mil parteiras nas regiões Norte e Nordeste do país. Na região Norte existe aproximadamente vinte mil parteiras tradicionais, onde os médicos são em torno de sete mil (Ministério da Saúde, 1999). Na região do médio Solimões existe um número significativo de parteiras tradicionais atuando tanto a domicílio, quanto no hospital, pois em Tefé no sistema público de saúde não trabalha nenhum obstetra/ginecologista, atualmente.

A temática desta pesquisa refere-se às parteiras tradicionais da floresta, cuja função principal é oferecer assistência ao parto e a saúde da mulher na região do médio Solimões. O objetivo do estudo é uma pesquisa exploratória para identificar quem são as mulheres que se dedicam ao “ofício de partejar” e como elas estão organizadas. Este estudo tem como hipótese que o ofício de partejar das parteiras tradicionais da floresta é a única alternativa para a assistência ao parto e à saúde das mulheres mais pobres dessa região.   
METODOLOGIA:

A pesquisa foi realizada com as parteiras que participaram do Encontro para Formação do Centro Colaborador para Inclusão do Parto Domiciliar no SUS, realizado no período de 17 a 21 de novembro de 2008, em Tefé/AM, pelo Grupo Curumim, com parceira do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e apoio do Ministério da Saúde, área técnica de saúde da mulher. Nesse encontro estavam presentes 35 participantes vindos dos municípios de Alvarães, Maraã, Uarini e Tefé, dos quais 29 parteiras e 6 agentes comunitários de saúde – ACS. O questionário foi aplicado durante a semana da realização da capacitação. Todas as mulheres concordaram em respondê-lo e se sentiram motivadas. O questionário foi composto por duas partes: 1) Dados sócio-econômicos e 2) Dados sobre o ofício de partejar.

RESULTADOS:

Para as parteiras tradicionais da floresta da região do Médio Solimões ser parteira é um Dom Divino. É ser reconhecida pelas pessoas da comunidade e da cidade, porque faz o bem com amor e carinho, ajuda a salvar vida da gestante da criança, ajuda e apóia a família, principalmente no interior. É prazeroso e um ato de solidariedade, mas é também muita responsabilidade e muita preocupação para com a vida da gestante e da criança, na hora do parto e pós-parto. A maioria se iniciou na atividade de parteira criança, a partir da idade de 10 anos, para segurar o bebê ou para auxiliar no parto; aprendeu as atividades de parteira acompanhando, observando e /ou ajudando a mãe ou outra parteira, que pode ser a avó, cunhada, sogra, madrinha ou comadre, portanto, as mulheres da família.

As parteiras tradicionais da floresta entrevistadas nasceram e são moradoras da região do médio Solimões, a maioria nas cidades de Maraã, Tefé e Alvarães; estão com idade entre 33 a 65 anos, mas é na faixa de idade entre 40-57 que elas são mais atuantes; são mulheres de muita fé religiosa, a maioria católica, 68%; se declaram caboclas, indígena, ribeirinha ou negras; 93% delas é casada somente na igreja católica e possuem poucos anos de estudo, a maioria nenhum, o restante variou de 1-8 anos de estudo.

Apenas três tem ocupação remunerada: duas são Agentes Comunitárias de Saúde e uma é auxiliar de enfermagem, uma delas é aposentada e recebe um salário mínimo. Todas as outras exercem atividades de agricultura e doméstica, não tem renda individual, e ganham esporadicamente algum dinheiro com a venda de produtos da agricultura ou a venda de farinha. Quanto a renda familiar varia de sem renda a dois salários mínimos.

Quanto ao número de partos atendidos variou de três a mais de mil, porém alguns apenas foram pagos pela Secretaria de Saúde. O “ofício de partejar” compreende desde orientar e encaminhar para o pré-natal, atendimento ao parto, ajudar a mulher nos primeiros dias do nascimento da criança, de 2 a 8 dias, nas atividades de cuidar do umbigo, lavar roupa, fazer comida, fazer o registro da criança, até mesmo usar a própria canoa para levar as mulheres que precisam ao posto de saúde.  Outras ainda ajudam na orientação da vacinação, contracepção e uso da multimistura. Todo esse trabalho por solidariedade e amor aos seres humanos, sem nenhuma remuneração pelo Estado ou governo federal.

CONCLUSÃO:

As parteiras tradicionais da floresta do Médio Solimões são herdeiras de um saber histórico-cultural que passa de geração a geração de mulheres e a única alternativa de atendimento à saúde da mulher e ao parto, em lugares que não existem obstetras e poucos postos/hospitais para atendimento médico. Elas aprendem o “ofício de partejar” ainda crianças e exercem essa atividade num ritual de muita fé, crença e sabedoria, com a intenção de criar uma rede de solidariedade em relação às outras mulheres e aos seres humanos. São reconhecidas na comunidade, mas ignoradas pelo poder público. Lutam pelo reconhecimento político através do Sistema Único de Saúde (SUS), que oferece remuneração aos partos domiciliares, mas que nunca chega esse dinheiro em suas mãos. Diante da fragilidade do Estado para atender a saúde pública, é possível a inclusão do ofício de parteira no Sistema de Saúde do Estado?

Palavras-chave: Saúde Reprodutiva, Direitos Reprodutivos, Amazônia.