61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 13. Serviço Social - 1. Serviço Social Aplicado
A POLÍTICA DO ECO DEFESO E OS PESCADORES ARTESANAIS DA COMUNIDADE DO CAI N’ ÁGUA- MANAQUIRI/AM  
Helane Cristina Lima Moreira 1
Elenise Faria Scherer 1
Sara Moreira Soares 1
1. Programa de Pós Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia, UFAM
INTRODUÇÃO:

Desde 1991, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estendeu o benefício do Seguro Desemprego aos pescadores denominados de ‘artesanais’ que exercem atividade de pesca de forma artesanal, individualmente ou sem regime de economia familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros.

Este benefício visa, a um só tempo, suprir as necessidades sociais dos pescadores artesanais durante a época do Defeso, quando ficam impossibilitados de pescar de acordo com a legislação imposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e, ainda, estimulá-los a preservarem a natureza, na medida em que protegem áreas de grande afluência de desova e permitem a reprodução dos peixes, portanto, impedem impactos negativos na pesca para o consumo próprio e para a comercialização.

Esta comunicação traz para o debate a política de Seguro Desemprego dos trabalhadores pescadores ribeirinhos que vivem na comunidade do Cai N’Água, no Paraná do Manaquiri, localizado no município de Manaquiri, a 60 km em linha reta da cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas. Pretende-se demonstrar que o Seguro Desemprego vem contribuindo para inserir os ribeirinhos pescadores nos marcos institucionais, pois muitos deles não possuem documentação, portanto, existência civil. Para aceder ao benefício, é necessário entrar no mundo da documentação que lhes confere rosto e fisionomia.

Além disso, a política do Seguro Desemprego estimula a criar o que se pode chamar de uma consciência ambiental de preservação dos peixes, pois ao proibir a pesca no período do Defeso contribuem para a preservação da complexa e rica biodiversidade amazônica. Por outro lado, a efetividade desta política pública no mundo vivido dos pescadores artesanais é algo novo e vem causando inúmeras polêmicas e conflitos sócio-ambientais. Centramos nossa atenção para o setor artesanal por ser o menos privilegiado em toda a história da construção das políticas públicas direcionadas à exploração pesqueira no Brasil e, em particular, na Amazônia.
METODOLOGIA:

Trata-se, portanto, de uma pesquisa que está sendo desenvolvida no local acima mencionado e os comentários aqui apresentados fazem parte das observações, das entrevistas não sistematizadas e com o apoio de um formulário aos pescadores artesanais e os representantes da colônia de pescadores nos os cenários paisagísticos e sociais da pesca na Amazônia.

RESULTADOS:

A pesca no estado do Amazonas representa uma atividade de enorme impacto social que envolve cerca de 25 mil pescadores profissionais e aproximadamente cerca de 70 mil pescadores/ribeirinhos que dependem da pesca, seja para a comercialização, seja para a alimentação familiar. No entorno, destes pescadores ribeirinhos encontram-se aproximadamente 600 mil pessoas que se alimentam basicamente da farinha de mandioca e do pescado, ou seja, vivem da pesca como uma das alternativas de reprodução social.

A produção pesqueira para estes pescadores é denominada de ‘artesanal’, pois usam utensílios simples como instrumentos de trabalho. Trata-se de uma pesca de subsistência em que os recursos utilizados são ainda bastantes rudimentares, o que lhes possibilita uma concorrência desigual entre os pescadores ribeirinhos/artesanais e os barcos pesqueiros profissionais, conhecidos nos rios da Amazônia como ‘geleiros’ (porque utilizam gelos para armazenar os peixes em grandes isopores) e que se posicionam na entrada dos lagos, impedindo que o volume de peixes disponíveis para a pesca nas áreas próximas às casas dos pescadores seja suficiente para suprir as necessidades básicas das famílias ribeirinhas. 

Os produtos advindos das águas de trabalhos (WITKOSKI, 2007), a captura dos peixes é praticada essencialmente para a subsistência e a comercialização é insignificante. Essas atividades, como todas as outras desenvolvidas pelos ribeirinhos de várzeas – como a agricultura, a criação e o extrativismo (vegetal e animal), a pesca obedece aos imperativos da natureza, isto é, não pode ser desenvolvida sem levar em conta os ritmos e os ciclos das águas. Nas atividades da pesca, o tempo ecológico é determinante, pois é comandado pelos ciclos das águas. O pescador ribeirinho pode pescar durante todo o ano, mas o maior ou menor sucesso da atividade pesqueira depende, em muito, dos ecossistemas amazônicos, ou seja, os períodos das enchentes e cheias (de dezembro a julho) e o período da vazante e seca (agosto a novembro)

A partir do ano de 2003, o Seguro Desemprego foi estendido aos pescadores ribeirinhos/artesanais que, como vimos, nas ‘águas de trabalho’ fazem da pesca um meio de subsistência. Esta política social foi estendida aos pescadores como um meio de suprir suas necessidades básicas e de forma a impedir que na época do defeso os pescadores deixem de pescar. Como contrapartida, durante este período o Poder Público lhes assegura o Seguro Desemprego que ocorre, em geral, no período em que rio desce, ou seja, das vazantes dos rios da Amazônia.

Reconhece-se que é uma forma de preservação e reprodução dos peixes, portanto, do meio ambiente, criando e recriando a biodiversidade. Mas se na época do Defeso, se o ribeirinho pescador contemplado com o Seguro Desemprego for apanhando em flagrante pelos técnicos do IBAMA, tal benefício é cancelado. Com isso, o pescador ficará impedido de recebê-lo no ano corrente.

Na comunidade do Cai N’Água, onde desenvolvemos a pesquisa, os pescadores recebem um salário mínimo por quatro meses, correspondentes ao valor do Seguro a fim de evitar a pesca comercial no período de reprodução dos peixes. Mas, durante a coleta dos dados percebeu-se que, apesar de receberam o beneficio, muitos continuam pescando. Percebe-se o conhecimento sobre as restrições e proibições relativas à pesca no período do Defeso. No entanto, a realidade os obriga a continuar pescando, uma vez que para eles a pesca não é entendida como fonte de renda e, sim, como uma das principais formas de subsistência. Alguns acusam de que o Seguro não ajuda muito, e que são obrigados a pescarem, já que a pesca é o meio de subsistência. O fato de receber o seguro não significa necessariamente não pescar, sobretudo, porque o valor algumas vezes é pago na última etapa do Defeso. Além disso, com o valor acumulado, grande parte deles utiliza para aquisição de novos equipamentos de pesca, desconsiderando a legislação vigente. 

Ademais, tal política vem propiciando inúmeras polêmicas. A primeira: trata-se de uma política que propicia a fragmentação social entre os pescadores ribeirinhos, por que nem todos têm acesso a ela. Aqueles que não conseguiram aceder ao beneficio, por várias razões, entre elas, não serem propriamente pescadores, acusam aos demais de receberem o Seguro e continuar pescando.

A segunda: para ter acesso a esta política pública os pescadores devem estar vinculados à Colônia dos Pescadores, tendo que, obrigatoriamente, estar em dia com suas mensalidades e ter o tempo mínimo de filiação de um ano. Com isso, houve uma corrida massiva dos ribeirinhos pescadores dos já enfraquecidos Sindicatos Rurais para as Colônias contribuindo para o esvaziamento político no combalido sindicalismo rural na Amazônia.

A terceira: os conflitos sócio-ambientais se fortalecem na síntese contraditória entre o beneficio social adotado como política pública para a conservação das espécies ameaçadas de extinção e as burlas empreendidas, em que pese o beneficio. Atualmente, nos rios da Amazônia se deparam entre duas formas produtivas de pesca: a artesanal e a industrial. Os conflitos entre pescadores ribeirinhos e a pesca comercial/predatória no Paraná do Manaquiri, pode-se dizer, se assemelham com outros conflitos pela posse da terra.

 

CONCLUSÃO:

A efetividade desta política pública no mundo vivido dos pescadores artesanais na comunidade do Cai N’Água é algo novo e vem causando inúmeras polêmicas e conflitos sócio-ambientais. Se ela vem contribuindo para a reprodução social das famílias que durante o período do Defeso deixam de pescar em face da proibição para preservação dos pescados, por outro lado, contribui para a fragmentação social, pois muitos ribeirinhos – até mesmo sem ser pescadores – forjam identidade para disputar com outros pescadores o direito a aceder o beneficio, criando, de um lado, os com direito ao beneficio e os sem direitos, ou seja, aqueles que não são pescadores.

Observa-se, também, uma espécie de um novo individualismo (Espanha, 2002, p. 30) que vem ameaçando as tradicionais formas de solidariedades sociais típicas do mundo rural e ribeirinho amazônico, ou seja, o Estado acaba por contribuir decisivamente para o desaparecimento de velhas solidariedades e formas de ajuda mútua. A divisão entre eles é um fato, pois um está sempre “entregando” o outro, como se pode demonstrar neste depoimento

[...] tem gente aqui que recebe RS 900,00 para não pescar, mas continua pescando pior que antes, porque como eles já têm o dinheiro, compram novos utensílios e vão pescar. O Governo, ao invés de estar auxiliando, está ajudando a escravizar o lugar, tirando o pão da boca dos filhos da terra (DEPOIMENTO DE UM RIBEIRINHO, 2005).
Instituição de Fomento: FAPEAM
Palavras-chave: Pescador Artesanal, Seguro Defeso, Ambiente.