61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 3. Direito Civil
PESSOA NATURAL, EUDAIMONIA E TRANSCENDÊNCIA
Brunello Stancioli 1
Nara Pereira Carvalho 2
1. Prof. Dr. - Universidade Federal de Minas Gerais
2. Mestranda - Universidade Federal de Minas Gerais
INTRODUÇÃO:

Conceito pouco desenvolvido pelo Direito, no Brasil, é o de Pessoa Natural. Paradoxo perigoso, uma vez que todo o ordenamento jurídico parte das idéias de Pessoa e de Dignidade. Nesse trabalho, visa-se a afirmar a idéia de que as vivências da Pessoa Natural, na ética cotidiana, devem articular-se com determinada classe de valores fundamentais, em uma dada época e em um dado local, chamados hiperbens (TAYLOR). Estes, no Ocidente, ganharam o status de Direitos Fundamentais ou Direitos da Personalidade.

A vivência articulada com os hiperbens tem dupla função: a de construir a identidade cotidiana nas esferas pública e privada e, mais além, afirmar-se a própria auto-realização, em si e no outro (eudaimonia). A busca dessa “vida boa” pode, inclusive, superar o status social posto e ter em vista outras ordens normativas vigentes, de modo a reconstruir a realidade atual (NIETZSCHE; MÜLLER-LAUTER). Aqui, a transcendência perde seu caráter metafísico e passa a ser vista como a reconstrução dialógica de si, do outro e da realidade objetiva, tida como constante processo de transformação, sempre em busca da felicidade.

METODOLOGIA:

Parte-se da noção pós-metafísica de Pessoa Natural desenvolvida anteriormente (STANCIOLI), que se estrutura em três eixos indissociáveis (Autonomia, Alteridade e Dignidade), vinculados à corporeidade e a valores constitutivos ou hiperbens (TAYLOR).

Além disso, a concepção de Direito adotada afirma ter ele, como fim último, a auto-realização das pessoas, como ser-em-si-para-o-outro (VAZ). Vários problemas são enfrentados, entre eles a constatação de que a realidade não se esgota na percepção pontual dos sujeitos cognoscentes. Pelo contrário, é complexa e pulsante, nunca estática. Imersos nesse conteúdo pré-estatuído, as pessoas devem buscar a vivência da Ética e do Direito, de forma refletida e crítica. Nesse sentido, a realidade normativa pode (e deve) ser reconstruída em cada relação social de interação discursiva. Desse modo, propiciam-se espaços de auto-realização individuais e coletivos para as pessoas envolvidas, portadoras de direitos e obrigações.

RESULTADOS:

Deve-se sempre acreditar que a pessoa natural é capaz de formas superiores de vida, voltadas para o Bem e para a dignidade. A articulação entre esses valores (hiperbens) e a vivência cotidiana é que dá sentido ao viver. Tanto que, caso haja desarticulação entre eles, para além da perda do sentido da vida, tem-se a perda da identidade pessoal.

A falta de sentido e de valores “superiores”, contudo e infelizmente, é a tônica do Ocidente Moderno. No Brasil, esse fenômeno de desarticulação tem atingido níveis paroxísticos, com a banalização da violência e o esvaziamento dos conteúdos de estudo.

Afirma-se, assim, que as pessoas devam escolher, em última instância, a vida que vale a pena ser vivida. Essa escolha, embora individual, só é possível numa comunidade de pessoas em que todos se reconheçam iguais na potencialidade de escolher (autonomia) face aos outros (alteridade) e a sua própria noção de vida boa (dignidade). Só se pode falar, verdadeiramente, em liberdade quando todos os interlocutores também forem livres! (HABERMAS). Mais que isso, os processos de escolha racional, de vida digna, não se dão de forma exclusivamente subjetiva, mas sempre na intersubjetividade, em que todos os afetados pelas decisões valorativas são chamados à fala e à participação (HABERMAS).

CONCLUSÃO:

A pessoa humana tem potencial criativo ilimitado. Isso significa que sempre se podem recriar inúmeras condições de vida boa, ao longo do espaço e do tempo. Os valores que se criam, embora possam ser normatizados, não são definitivos. A própria vivência segundo hiperbens conduz a constante interpretação destes, de modo que mesmo os direitos fundamentais e direitos da personalidade são a todo momento recriados. A pessoa, embora comumente pensada de maneira estática, é uma possibilidade. Pode multiplicar-se, em busca de uma vida que vale ser vivida, pois somos uma multiplicidade que se imagina unidade (MÜLLER-LAUTER).

Essa expansão, no limite, ocorre como uma quase transcendência, no momento em que a pessoa, detentora de capacidade cognitiva ilimitada, se supera. Como conseqüência, há possibilidades de suplantar os limites normativos impostos por uma dada cultura. A pessoa pode, portanto, perquerir o grande sentido da vivência (inclusive normativa), que é a busca da Felicidade.

Palavras-chave: Pessoa Humana, Felicidade, Transcendência.