Apesar de diversos estudos sobre a ictiofauna dos rios da Amazônia (Böhlke et al., 1978; Goulding et al., 1988, Lowe-McConnell, 1999; Reis, et al., 2003), a literatura sobre peixes de praias na Amazônia é ainda extremamente pobre. Uma das possíveis razões para a escassez de informações sobre este assunto é a temporalidade deste ambiente, uma vez que fica exposto apenas durante três meses do ano. Estudos revelam que em ambientes de praia fatores determinísticos como predação influenciam na seleção do habitat e na estrutura das assembléias de peixes (Ibarra & Stewart, 1989; Stewart et al. 2002; Layman & Winemiller, 2004; Arrington & Winemiller, 2003; 2006). As características ambientais comuns aos ambientes de praias, como a baixa correnteza, pouca vegetação e boa transparência, possibilitam que as praias funcionem como refúgio para espécies de pequeno porte, utilizando suas águas rasas como forma de proteção ao grande número de bagres e outros predadores de grande porte (Goulding, 1997). Os objetivos deste trabalho foram verificar as possíveis diferenças na composição da ictiofauna entre duas praias arenosas localizadas na Reserva Biológica do Abufari (Praia de Abufari) e na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (Praia Grande); e verificar possíveis diferenças na composição da ictiofauna entre os períodos (diurno e noturno) em cada praia.

Em cada praia foram delimitados 10 pontos amostrais de 100 metros cada. Em cada ponto foram realizados três arrastos paralelos às praias utilizando rede de cerco (11 m x 6 m e 5 mm de malha). Foram realizadas coletas diurna (6:00-10:00 h) e noturna (18:00-22:00 h), totalizando seis arrastos por ponto. Foi estabelecido um intervalo mínimo de 36 horas entre esses períodos de coleta. Os peixes coletados foram separados em sacos plásticos etiquetados e fixados em formalina 10%. No laboratório de Sistemática e Ecologia de Peixes do INPA, o material foi triado, contado e identificado, sendo posteriormente preservados em álcool 70%. Para cada praia amostrada e período de coleta foram determinadas a sua composição, riqueza, abundância e biomassa. As assembléias de peixes foram caracterizadas a partir de: Diversidade de espécies (Índice de Shannon-Wiener), onde foi aplicado o teste "t" de Hutchenson (1970) para verificar se há diferença significativa; Equitabilidade e Dominância (Índice de Simpson). Os dados de abundância das espécies foram utilizados em uma MDS (em duas dimensões). O índice utilizado para construir a matriz de similaridade foi o de Bray-Curtis. Análise de similaridade ANOSIM, foi realizada para verificar se há diferença na composição de espécies por praia e periodo de coleta. Para essas análises foram utilizadas o programa PAST 1.89 (Hammer et al., 2009).

Foram coletadas em ambas as praias 10.065 exemplares de peixes, distribuidos em 112 espécies, 9 ordens e 27 famílias. Characiformes apresentaram a maior riqueza de  espécies (53) e abundância (34%), seguida por Siluriformes (39 espécies e 29% do total coletado). As famílias com maior riqueza de espécies foram Characidae (27) e Pimelodidae (12). A Praia de Abufari noturno apresentou os maiores valores de riqueza de espécies (84), número total de indivíduos (3.540), biomassa total (76.614 g) e diversidade (H`= 3,710); enquanto que a Praia Grande diurno apresentou os menores valores de riqueza (37), número total de indivíduos (958), biomassa (3.589 g) e diversidade (H`= 2,955). Equitabilidade não apresentou maiores variações. Segundo o teste "t" de Hutchenson, não houve diferença significativa apenas entre a Praia Grande noturno e Praia de Abufari diurno. O período diurno de ambas as praias apresentaram os maiores valores de dominância (0,173 e 0,172). A composição das assembléias de peixes foram significativamente diferentes (ANOSIM, P < 0,001, R= 0,71). Análise de MDS também revelou que há diferença significativa entre as praias e períodos de coleta. Coletas noturnas nas duas praias apresentaram 44 espécies em comum, enquanto apenas 27 foram comuns em coletas diurnas. A Praia de Abufari apresentou 49 espécies em comum nos períodos diurno e noturno, enquanto que a Praia Grande apresentou apenas 25 espécies.

Apesar das praias amostradas terem apresentado diferença em relação à composição das espécies de peixes diurna e noturna, foi observado principalmente na Praia de Abufari, um grande número de espécies coletadas em ambos os períodos. Este fato poderia ser explicado pelo uso deste habitat tanto para alimentação quanto proteção. Apesar das coletas noturnas normalmente serem caracterizadas por espécies de peixes adaptadas às condições de baixa luminosidade (Siluriformes e Gymnotiformes), foi observado na Praia de Abufari diurno um número de espécies da ordem Siluriformes superior ao da Praia Grande noturno. No entanto, até o momento não foi observado nenhum indicativo que possa explicar essa diferença. Os maiores valores de biomassa, encontrado na Praia do Abufari, se deve principalmente a presença de espécies de grande porte, como os bagres da família Pimelodidae. A presença desses predadores pode estar relacionada a disponibilidade de um grande número de filhotes de quelônios recém-eclodidos, uma vez que esta praia é considerada uma importante área de preservação de desova de espécies de quelônios, principalmente Podocnemis expansa (tartaruga da Amazônia). No entanto, seriam necessários maiores estudos para verificar essa correlação. Além disso, o fato da Praia de Abufari estar localizado em uma unidade de conservação de proteção integral, onde não há pressão de pesca comercial, pode ter possibilitado um aumento na probabilidade de captura de um maior número de espécies.