61ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 2. Biologia - 1. Biologia da Conservação
Interação com botos-vermelhos na Amazônia brasileira: turismo de entretenimento ou turismo educativo?
Fernanda Carneiro Romagnoli 1, 5
Vera Maria Ferreira da Silva 2, 5
Glenn Shepard Jr 3, 5
Sherre Prince Nelson 4, 6
1. Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior
2. Profa Dra - Coordenação de Pesquisas em Biologia Aquática-Orientador
3. Prof Dr. - Coordenação de Pesquisas em Botânica-Co-orientador
4. Prof Msc - Departamento de Turismo-Colaborador
5. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
6. Centro Universitário do Norte
INTRODUÇÃO:

   Um tipo de turismo de natureza que cresce rapidamente em todo o mundo é o voltado para a observação de baleias e golfinhos. Esta atividade é considerada como potencial medida de conservação; no entanto, se desordenada, pode causar efeito inverso. Na Amazônia, a espécie-alvo é o boto-vermelho, Inia geoffrensis. Endêmico da região tem relevante função ecológica e cultural. Mudanças no comportamento de pescadores e capturas intencionais tornaram-se ameaças à espécie, assim como o turismo desordenado. Diante da necessidade de se adotar medidas para sua conservação, o ecoturismo pode ser uma ferramenta útil. Nele os recursos naturais são usados de forma indireta e há a aplicação de valores éticos que direcionam o comportamento do turista e valorizam o aspecto educacional. Um de seus princípios fundamentais é a interpretação ambiental, cujo objetivo é auxiliar o visitante na conscientização do valor do local. Ao perceber este valor, o turista poderá adotar práticas mais sustentáveis no seu cotidiano. Assim, o objetivo do estudo foi verificar se o turismo de interação com botos-vermelhos em uma localidade do Estado do Amazonas promove a interpretação ambiental, gerando sensibilização e motivação dos turistas de modo que contribuam com a conservação desses animais e de seu ambiente.

METODOLOGIA:

   Num restaurante flutuante em Novo Airão, Amazonas, Brasil turistas interagem diariamente com botos-vermelhos: tocam, alimentam, nadam. Estas pessoas podem chegar ao local de duas formas: integrando grupos de excursão (geralmente acompanhados por guias de turismo que podem fazer explicações sobre os botos) ou de forma independente (recebem apenas informações transmitidas informalmente e esporadicamente pelos funcionários do restaurante). Foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas a estes dois tipos de turistas, compostas por questões sobre características socioeconômicas e conhecimentos e intenções relacionadas aos botos e ao meio ambiente (“você acha que é importante conservar os botos? Por quê?” e “como você poderia contribuir para a conservação dos botos?”). Foram obtidas 336 entrevistas, sendo 107 de turistas com excursão e 229 de turistas sem excursão. Para cada pergunta sobre conhecimentos e intenções os entrevistados receberam nota de zero a 1,0 (valores baixos foram considerados ruins e valores altos bons). Foi admitido que estar em um grupo de excursão ou não poderia ser fundamental para a análise do objetivo do estudo. Assim, as notas finais de turistas com excursão e sem excursão foram separadas e comparadas através de Teste T.

RESULTADOS:

   Dos turistas com excursão 90% visitavam os botos pela primeira vez: 42% vieram dos EUA, 24% do sudeste brasileiro e 12% da Europa. A maioria dos turistas sem excursão é brasileira: 55% de Manaus e 21% do sudeste do Brasil. Apesar de muitos serem da região 77% visitavam os botos pela primeira vez. A comparação das notas de conhecimentos e intenções mostrou diferença significativa (p<0,01) entre com excursão (média=0,35) e sem excursão (média=0,68). O resultado surpreendeu, pois era esperado que o grupo com excursão tivesse maior média. O que mais influenciou a diferença foi como contribuir com a conservação dos botos. Dos visitantes com excursão 20% responderam não sei e 14% deram respostas erradas ou incabíveis indicando que o turista não quer ou não sabe como ajudar. Por outro lado, 8% dos turistas sem excursão responderam não sei e 6% deram respostas incabíveis. Estes receberam nota zero, por isso a média final do grupo com excursão foi inferior à sem excursão. Isso pode ser explicado pelo grupo sem excursão ter maioria de pessoas da região que, mais envolvidas com a realidade local, percebem com maior facilidade que suas ações podem implicar na conservação dos recursos amazônicos. Os turistas com excursão, distantes geograficamente, podem ter maior dificuldade.

CONCLUSÃO:

   Com isso, é possível supor que conhecimentos e intenções não são aprendidos durante as visitas aos botos, mas provavelmente são fruto de experiências prévias dos turistas. Isso significa que a tarefa de promover educação ambiental e sensibilização não é oferecida satisfatoriamente pelo restaurante flutuante, assim como por muitos guias de turismo que levam grupos de turistas ao local. Para que esta atividade reverta em atitudes para a conservação dos botos é necessário que seja fornecido maiores informações aos turistas, de maneira mais formal, como por meio de palestras, painéis e folhetos explicativos. É importante que as visitas sejam monitoradas e que se faça um trabalho no sentido de sensibilizar e motivar o turista a realizar alguma ação que favoreça a conservação desses golfinhos. Este trabalho levanta, ainda, uma questão maior: a necessidade de se repensar e reestruturar o modelo de turismo que se pretende utilizar na Amazônia: turismo de entretenimento ou turismo educativo, voltado para a conservação dos recursos naturais? A escolha da segunda opção seria, com certeza, a mais favorável aos botos-vermelhos.

Instituição de Fomento: CNPQ (bolsa de mestrado), Cetacean Society International, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (PPI).
Palavras-chave: Inia geoffrensis, interação com golfinhos, interpretação ambiental.