61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 3. Direito Civil
A RELIGIÃO COMO FONTE MORAL PARA OS JULGADOS ACERCA DO NASCITURO NOS TRIBUNAIS SUPERIORES BRASILEIROS
Anna Cristina de Carvalho Rettore 1
Brunello Souza Stancioli 1, 2
1. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Orientador
INTRODUÇÃO:

A dogmática cristã apresenta-se historicamente como forte matriz ideológica do conceito de pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro. Ela se manteve no discurso ético-jurídico - mesmo após a Proclamação da República, quando o Estado se desvinculou da Igreja - por exemplo, na idéia recorrente de infusão da alma no momento da concepção do ser humano. Ainda que o Brasil seja um Estado Democrático de Direito Secular e Plural, verifica-se uma ausência de cientificidade no uso do conceito de pessoa, muitas vezes, embasado em concepções religiosas, concernentes a questões de verdade voluntária (fé), e não em um conceito secularizado. Seria pertinente, portanto, o recurso ao conceito pós-metafísico de pessoa humana, que representa uma reconstrução, a partir de argumentos racionais e observações empíricas da biologia, da noção de pessoa pensada pelo cristianismo.

Considerando a influência da religião na cultura e no Direito brasileiros, o presente trabalho possui grande relevância ética e jurídica. A partir da análise do discurso acerca do nascituro nos tribunais superiores, busca-se identificar quais argumentos são dogmáticos, bem como quais são secularizados, e demonstrar que os últimos são os mais legítimos como fundamento dessas decisões judiciais.

METODOLOGIA:

O presente trabalho de Iniciação Científica tem viés transdisciplinar, integrando conteúdos de direito, Ética e Biomedicina. A pesquisa tem como marco teórico o conceito pós-metafísico e secular de pessoa, presentes nas obras de Charles Taylor e Robert Spaemann.

Considerou-se a pesquisa teórica o procedimento metodológico mais adequado, fazendo-se, prioritariamente, análise de conteúdos. Mais especificamente, houve exame de documentos, bibliografia, legislações e jurisprudências. O trabalho não se resumiu, entretanto, numa simples coletânea de tal conteúdo, mas na sua análise a partir do marco teórico adotado.

Foi objeto de estudo a bibliografia jurídica nacional e internacional, em especial a referente aos conceitos de pessoa e de Estado Democrático de Direito, além da bibliografia acerca da doutrina da Igreja Católica. Quanto à jurisprudência, analisaram-se julgados concernentes ao nascituro no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.

RESULTADOS:

Evidenciou-se forte influência religiosa nas concepções jurídico-dogmáticas de pessoa e de nascituro. Por outro lado, ficou clara a existência da preocupação judicial de buscar uma fundamentação científica para os argumentos motivadores das decisões, incluindo dados da Biologia e da Biomedicina.

Não se identificou, entretanto, a preocupação em rediscutir o conceito de pessoa no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, em abordá-lo da forma secularizada característica da noção pós-metafísica de pessoa, adotada como marco teórico da pesquisa. O conceito de pessoa é recorrentemente invocado nas argumentações, ainda que seu uso não seja objeto de maiores questionamentos, considerando-se, muitas vezes, suficiente o modo com ele se apresenta na ordem jurídica, em especial no Código Civil. Assim, não são trazidas à discussão idéias secularizadas como as de cérebro, mente, self, corporeidade, alteridade e autonomia, eixos do conceito pós-metafísico de pessoa.

CONCLUSÃO:

Embora se perceba na fundamentação motivadora dos julgados acerca do nascituro a preocupação com o uso de argumentos de cunho científico, especialmente biológico, muitas decisões se baseiam em um conceito de pessoa fortemente influenciado pela dogmática cristã. Ou seja, a jurisprudência, frequentemente, não demonstra uma preocupação com a necessidade de se definir de forma mais clara e secularizada o conceito de pessoa humana. Tal conceito continua sendo visto de forma simplista, a priori e incontroversa. Faz-se necessária, portanto, a rediscussão dessa noção da maneira como se apresenta no ordenamento jurídico brasileiro, visando torná-la secular. Pode-se dizer que isso trará consequências para toda a ordem jurídica nacional. No âmbito legislativo, é possível a inclusão de novos conceitos e alteração de outros. No âmbito judicial, a incorporação das alterações legais pode resultar em uma significativa mudança de mentalidade, em que a jurisprudência tratará o conceito de pessoa e o discurso ético-jurídico concernente ao nascituro de forma desvinculada de noções típicas da moral cristã.

Instituição de Fomento: Fundação Valle Ferreira
Palavras-chave: nascituro, religião, pessoa.