61ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 4. Botânica - 8. Botânica
MAPEAMENTO DE PAISAGENS DOMESTICADAS ATRAVÉS DO CONHECIMENTO LOCAL: UM ESTUDO DE CASO NO MÉDIO RIO MADEIRA, AMAZONAS, BRASIL
André Braga Junqueira 1
Charles Roland Clement 1
1. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA
INTRODUÇÃO:
Domesticação da paisagem é o processo através do qual os seres humanos modificam intencional e não - intencionalmente a paisagem, em geral no sentido de torná-la mais produtiva e favorável para eles. Mesmo centenas ou milhares de anos após a intervenção humana em um determinado ambiente é possível em muitos casos identificar fortes indicadores de que a paisagem foi domesticada por humanos no passado. Na região Amazônica a domesticação se estende a diversos elementos da paisagem, porém suas evidências mais marcantes são expressas em modificações na vegetação (concentrações de espécies úteis e/ou domesticadas, castanhais, etc.) e nos solos da região (manchas de solos antrópicos chamadas comumente de Terra Preta de Índio). Os caboclos ou ribeirinhos possuem uma longa história de ocupação da região Amazônica, e detêm um amplo conhecimento a respeito da biodiversidade e dos elementos da paisagem que ocupam e manejam. Esse trabalho teve como objetivo identificar e quantificar evidências de domesticação da paisagem por povos que habitam e/ou habitaram uma determinada região, através da aplicação da técnica de mapeamento participativo usando Sistema de Informação Geográfica (SIG) junto a uma comunidade ribeirinha.
METODOLOGIA:
O trabalho foi realizado na comunidade Água Azul, localizada no município de Manicoré, médio Rio Madeira, Amazonas. Vivem na comunidade cerca de 40 famílias, a maioria delas com um histórico de ocupação da região de cerca de 100-120 anos. Foi realizada uma reunião com lideranças locais e alguns dos moradores mais antigos da comunidade, durante a qual eles foram estimulados a desenhar em folhas de acetato transparente sobrepostas a imagens de satélite LANDSAT georeferenciadas os seguintes elementos da paisagem: hidrografia (rios e lagos), áreas de cultivo e de vegetação secundária (roças e capoeiras), castanhais (concentrações de Bertholletia excelsa), seringais (concentrações de Hevea spp.), áreas de solos antrópicos e localidades (adensamentos de casas e quintais). Durante esse processo, os moradores eram também estimulados a nomear cada elemento da paisagem sendo desenhado. Excetuando a hidrografia, todos os elementos da paisagem acima citados foram considerados como evidências de domesticação da paisagem. Em laboratório os desenhos foram fotografados, georeferenciados e analisados no software ArcView GIS 3.2.
RESULTADOS:
O conhecimento detalhado dos moradores locais sobre a localização e a nomenclatura dos elementos da hidrografia (lagos, rios e igarapés) se estende a um raio de cerca de 11 km a partir do centro da comunidade. Da área delimitada por esse círculo de 11 km de raio (cerca de 38 mil hectares), 2486 hectares (6,5 %) foram classificados pelos moradores dentro de pelo menos um dos elementos da paisagem aqui considerados como evidências de domesticação da paisagem. Da área total considerada como paisagem domesticada, os castanhais representaram 1076 ha (43,3 %), as casas e quintais 726 ha (29,2 %), as roças e capoeiras 605 ha (24,3 %), os seringais 205 ha (8,2 %) e os solos antrópicos representaram 64 ha (2,6 %, ocupados principalmente por casas, quintais e algumas roças e capoeiras). A área considerada como paisagem domesticada diminui à medida que se distancia do centro da comunidade (r2 = 0,764; p < 0,001): as paisagens domesticadas ocupam 64 % de uma área circular de 1 km de raio a partir do centro da comunidade, 44,2 % de uma área de 2 km de raio, 32,7 % de uma área de 3 km de raio, e assim por diante até os 11 km de raio, onde as paisagens domesticadas ocupam somente 6,5 %. Os moradores não reconheceram mais paisagens domesticadas além dos 11 km de raio a partir do centro da comunidade.
CONCLUSÃO:
É notável o conhecimento dos moradores locais a respeito da localização espacial dos elementos da paisagem. Após um período inicial de familiarização com a imagem de satélite, os moradores elaboraram mapas ricos em detalhes, incluindo a nomenclatura local para os rios, lagos e igarapés. A partir disso, o mapeamento dos outros elementos da paisagem tornou-se bastante trivial, e alguns levantamentos de campo realizados pelo primeiro autor comprovaram que as áreas delimitadas nos desenhos correspondem com uma precisão razoável às áreas mensuradas em campo. Isso mostra que o mapeamento participativo utilizando SIG é uma ferramenta eficaz para o mapeamento de paisagens domesticadas em áreas relativamente extensas, e além de fornecer uma visão local sobre a espacialização dos diferentes elementos da paisagem, é uma técnica que demanda pouco esforço de campo. Os resultados aqui apresentados mostram que é possível quantificar e mapear a domesticação da paisagem através do conhecimento local, e que o grau de domesticação da paisagem tende a ser maior quanto mais próximo ao centro da comunidade.
Instituição de Fomento: CNPq
Palavras-chave: Etnobotânica, Domesticação da paisagem, Mapeamento participativo.