61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
RE-SIGNIFICAÇÕES E APROPRIAÇÕES DISCURSIVAS: LEI MARIA DA PENHA
MARIANA CINTRA RABELO 1
LIA ZANOTTA MACHADO 1
1. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA/UNB
INTRODUÇÃO:

A pesquisa pretende desvendar as elaborações e representações da violência e do papel do Estado para mulheres que denunciam agressões e/ou ameaças em casos previstos na Lei nº 11.340 – Lei Maria da Penha, na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) do Distrito Federal.

A análise parte da perspectiva de referidas mulheres frente à sua autonomia e frente à sua condição de subordinação física ao controle tradicional do marido sobre a conduta da mulher e aos discursos que privilegiam o poder masculino sobre a propriedade financeira e patrimonial da família, e a suposta autoridade masculina sobre o vínculo afetivo.

Esse estudo objetiva averiguar como a produção e reprodução das concepções de direito e indivíduo se relacionam discursiva e fisicamente com a construção social dos corpos, tendo como base uma perspectiva teórica feminista de produção e vigilância das autonomias e da corporeidade.

A produção de resultados qualitativos tem como objetivo o conhecimento teórico e empírico sobre a violência doméstica; oferecer subsídios à formação e capacitação de profissionais que lidam diretamente com violências e fornecer base empírica que permita transformações discursivas e práticas conscientes acerca dos papéis sociais e das relações de gênero na sociedade brasileira.

METODOLOGIA:

A primeira etapa consistiu na revisão bibliográfica das temáticas: relações assimétricas de gênero, epistemologia feminista e antropologia de gênero, análise dos discursos, violência doméstica, Lei nº 11.340, corporeidade e Estado de direito.

A pesquisa etnográfica está sendo realizada na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) do Distrito Federal, focada nas mulheres que se dirigem a tal instituição para denunciarem situações próprias de violências.

A base empírica da produção qualitativa está centrada na observação dos fluxos e rotinas de serviços em dias alternados dentro da DEAM; na análise de 43 Inquéritos Policiais enquadrados na Lei nº11.340 já consultados e em entrevistas gravadas baseadas em questionários semi-estruturados com as usuárias dos serviços da DEAM, ainda  em andamento.

RESULTADOS:

Os inquéritos apontam contraposição entre declarações das vítimas e dos agressores. Nas primeiras, constam majoritariamente descrições de um histórico de violência, e a denúncia se centra em um fato específico recente e detalhado. Os agressores negam um suposto passado de violência. Suas versões sobre o fato denunciado negam ou minimizam a gravidade de possíveis ações agressivas. Dos 27 casos de denúncia de ameaça, 25 mulheres solicitaram medidas protetivas e destas 17 (48%) tiveram seus pedidos deferidos. Dos 12 casos de lesão corporal, 8 solicitaram medidas protetivas e 4 (50%) foram deferidas. Os deferimentos foram feitos, constando apenas duas solicitações de Audiência de Justificativa. Duas denunciantes entrevistadas foram enfáticas sobre o medo diante da ameaça do companheiro ou ex-companheiro, com efeitos no medo de fazer a denúncia. Uma terceira, declarou considerar a denúncia uma forma de “parar” a violência; mas todas desejavam medidas protetivas. Nos dois casos analisados de Desobediência Judicial, consta decretação de prisões preventivas. 

Investidas etnográficas averiguaram dificuldades na realização das ocorrências. Aproximadamente dois terços das declarantes são ouvidas perto de outras pessoas, às vezes na presença do agressor, sendo interrompidas por terceiros.
CONCLUSÃO:

A aposta na Lei nº11.340 e na DEAM, como espaço passível de trânsito de seus corpos e vivências, se efetiva nas respostas das denunciantes. O momento da denúncia representa efetivação do direito de fala e de audibilidade, configurando apropriações discursivas das experiências físicas e psicológicas pelas quais as denunciantes passaram. Pode-se concluir que a lei Maria da Penha está propiciando um processo de re-significação para as mulheres da representação da Polícia e da Justiça enquanto instituições legitimadas do exercício de poder do Estado. É crucial apontar que grande parte das denunciantes busca proteção, tendo assim a Implementação da Lei Maria imediatamente este efeito.

Apesar de observações críticas da pesquisa etnográfica, as respondentes fazem, em geral, boas avaliações ao conjunto do tratamento, qualidade de informações e aspectos de privacidade ao longo da denúncia, no âmbito da DEAM.

Por outro lado, a demora institucional das expedições dos inquéritos e o indeferimento de cerca de 50% das medidas protetivas solicitadas, permitem visualizar que a re-significação positiva pelas denunciantes diante da Polícia e da Justiça se faz de forma frágil, já que muitas vezes são reproduzidas sensações de impotência e é reforçada a desconfiança sobre suas falas.
Instituição de Fomento: CNPQ E FINEP
Palavras-chave: LEI MARIA DA PENHA, REPRESENTAÇÕES DA VIOLÊNCIA, AUTONOMIA E PROTEÇÃO.