61ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 10. Comunicação - 7. Teorias da Comunicação
PALAFITAS COMO TEXTO DA CULTURA AMAZÔNICA
Mirna Feitoza Pereira 1
Taissa Dias Barros 1
Márcio Alexandre dos Santos Silva 1
1. Centro Universitário do Norte (UniNorte)
INTRODUÇÃO:
Este resumo apresenta resultados de projeto de pesquisa que investigou a relevância cultural das palafitas da cidade de Manaus no contexto da cultura amazônica. Erguidas no entorno dos igarapés, lagos e rios da região, palafitas são moradias populares que dialogam com o movimento das águas da Amazônia, permanecendo com suas estacas de madeira submersas durante a enchente e vindas à tona na vazante. Em Manaus, elas foram historicamente construídas em áreas invadidas no entorno dos igarapés. Em que pese tenham gerado problemas ambientais importantes, não se pode negá-las como solução arquitetônica do homem amazônico para adequar-se ao ambiente em que vive. Na investigação de sua relevância cultural, as palafitas foram tomadas como textos da cultura amazônica, utilizando-se a semiótica da cultura como fundamentação teórica. Ao tomar-se um objeto cultural como texto da cultura, supõe-se que ele esteja codificado por, no mínimo, duas linguagens, ainda que os códigos que o entrelaçam sejam, num primeiro momento, desconhecidos do investigador. Na semiótica da cultura, a noção de texto não se restringe à codificação permitida pela linguagem verbal, aplicando-se a todos os portadores de sentido (cerimônias, obras de arte, peças musicais, uma reza, uma lei, um romance). Na cultura, os textos culturais exercem três funções: função de comunicação, função geradora de sentidos e função memória. A pesquisa foi motivada pelo iminente desaparecimento dessas construções do espaço da cidade, em face do avanço das ações do poder público para revitalizar as áreas invadidas dos igarapés.
METODOLOGIA:
A coleta de dados foi feita com pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, com atividades de observação e documentação (registros fotográficos) das áreas de estudo. A pesquisa bibliográfica compreendeu levantamentos, leituras e fichamentos, sobretudo em publicações das áreas de Geografia, História e Arquitetura e Urbanismo. Foram observadas as palafitas do Igarapé do Franco, Igarapé de Educandos, Igarapé de São Raimundo e Igarapé 13 de Maio. A coleta de dados envolveu dois planos de iniciação científica, realizados pela estudante de Arquitetura e Urbanismo Taissa Dias Barros (bolsista do PROBIC/UniNorte), sobre o contexto urbano e ambiental das palafitas da cidade de Manaus, e pelo estudante de Comunicação Social / Publicidade e Propaganda Márcio Alexandre dos Santos Silva, sobre levantamento histórico da incidência de palafitas na cidade de Manaus. No primeiro semestre de 2008, a equipe reuniu-se uma vez por semana, durante quatro horas, sendo as duas primeiras horas dedicadas às questões metodológicas, e as duas últimas à apresentação de seminários de pesquisa. No segundo semestre de 2008, foram realizadas duas reuniões por semana, uma para orientações individuais e outra para as questões teóricas da pesquisa. Os estudantes desenvolveram ainda atividades individuais de segunda a sexta-feira, no período da tarde.
RESULTADOS:
A pesquisa chegou aos seguintes resultados: As palafitas da cidade de Manaus são codificadas a partir de traduções entre sistemas de signos da cultura ribeirinha e da cultura urbana. Considerando a geografia da cidade, a região de fronteira entre os sistemas de signos dessas duas culturas situa-se no encontro do Rio Negro com os igarapés de Educandos e São Raimundo, onde ocorreram os primeiros aglomerados urbanos de palafitas em Manaus e onde ainda são encontradas as palafitas mais tradicionais da cidade. Desta feita, as palafitas entraram no espaço urbano conduzidas pelo Rio, avançando no seu interior através dos igarapés. A codificação das palafitas em Manaus depende da relação com o igarapé: quanto mais próximas ao corpo d’água, mais tradicional torna-se a arquitetura das palafitas; quanto mais distante da água e próxima das áreas urbanizadas, mais as palafitas incorporam as codificações da cidade, utilizando alvenaria e concreto em sua arquitetura. Do ponto de vista histórico, a incidência dessa arquitetura tradicional ribeirinha constituindo aglomerados urbanos relaciona-se com os ciclos econômicos e migratórios da cidade: sem encontrar lugar no espaço planejado, os trabalhadores estabeleceram suas moradias no entorno dos igarapés e no próprio Rio Negro, a exemplo da Cidade Flutuante. O registro histórico mais remoto de palafitas em Manaus foi localizado no livro do historiador Mario Ypiranga Monteiro, intitulado “Fundação de Manaus” (1994). A publicação faz referência a agrupamentos de palafitas encontradas na cidade quando esta ainda era denominada Lugar da Barra, em 1695.
CONCLUSÃO:
O objetivo desta pesquisa foi compreender a relevância das palafitas no contexto da cultura amazônica, tendo a semiótica da cultura como fundamentação teórica, sobretudo o conceito de texto cultural. Os resultados nos permitem concluir que o próprio espaço geográfico no qual as palafitas incidem, isto é, o espaço do igarapé, constitui um espaço semiótico. Sem o igarapé, esse texto cultural identificado com a cultura ribeirinha tende a desaparecer da cidade. Assim, o aterramento, a mudança de curso e/ou o saneamento implicados nas obras de revitalização do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim) retiram da cidade, ou modificam drasticamente, a condição necessária para a incidência dessa arquitetura tradicional ribeirinha no interior da cidade. Do ponto de vista da diversidade cultural, a remoção das palafitas do espaço urbano sem uma estratégia de preservação de sua memória representa uma perda na heterogeneidade da cultura, pois, juntamente com os problemas ambientais, sociais e de saúde pública derivados da ocupação desordenada do leito dos igarapés, retira-se da cidade um texto da cultura ribeirinha amazônica. Trata-se de um problema assentado numa contradição, mas que não pode ser negligenciado, sob pena de perdemos a memória mais remota de uma cidade cuja urbanidade surge do encontro, nenhum pouco harmonioso, com a cultura cabocla ribeirinha.
Palavras-chave: Palafitas, Arquitetura e urbanismo na Amazônia, Texto cultural.