As lendas que compõem o ideário do povo ludovicence revelam o espírito e evocam a história da cidade da Ilha dos amores. Isso porque se popularizaram aproximadamente entre os séculos XIX e XX, época em que, apesar do progresso cultural e econômico, a maioria da população era alijada dos benefícios sócio-culturais dele provenientes. Em um ambiente provinciano remanescente de uma sociedade escravocrata, desenvolveu-se uma cidade cercada por narrativas de encantamentos e mistérios que ficaram como herança para a sociedade atual, às quais ainda são atribuídas veracidade, especialmente em comunidades rurais, que se comportam como suas guardiãs. Assim, os professores da UEB Honório Odorico Ferreira, localizada no povoado do Tajipuru, zona rural de São Luís/MA, tem desenvolvido um trabalho de análise das narrativas que compõem a memória coletiva dos moradores desse povoado. Pretende-se verificar como os fatos de ordem histórico-culturais são evocados nas narrativas em análise e quais procedimentos são tomados para sistematizar os conhecimentos que tais narrativas encerram, sem descartar os aspectos místicos constituintes das práticas culturais e das fantasias da comunidade.

Realizou-se uma pesquisa de base bibliográfica e documental, tomando por base os PCN’s de Português, de História, dos Temas transversais e de Pluralidade cultural, aportes teóricos da Lingüística e de Ciências Sociais. Analisou-se o Plano político-pedagógico da Escola e aplicou-se questionário junto aos pais dos alunos e outros integrantes da comunidade e produziu-se um documentário com as pessoas detentoras de sabedoria popular tradicional. Investigou-se junto aos alunos seus conhecimentos sobre sua ancestralidade, seu universo religioso, suas histórias de vida e sobre as lendas que povoam seu imaginário. Foram elaborados relatórios com análise de dados.

A U.E.B. H. O. Ferreira é pertence à Rede Municipal e atende a alunos do Tajipuru e de outras 14 comunidades rurais adjacentes. Esse público é formado por filhos de trabalhadores da agricultura, da pesca e de pequenas criações de animais. São comunidades detentoras de um riquíssimo acervo de tradição oral de conhecimentos da cultura popular, mas sem acesso a bens culturais usufruídos pelas classes privilegiadas. As crianças, inseridas nesse contexto, participam ativamente das manifestações culturais que envolvem os toques dos tambores e de oferendas a entidades espirituais, marcas da religiosidade desses sujeitos que vivem em áreas rurais. Há, entretanto, obstáculos no processo de letramento dessas crianças, no tocante aos conhecimentos do nível formal, dada à falta de acompanhamento das atividades pelos pais e à alta taxa de analfabetismo na comunidade.

Verificou-se que o projeto implementado pelo corpo docente aproximou melhor escola e comunidade. Os pais trouxeram para o ambiente escolar o entusiasmo de narrar a própria história e de perceber a valorização dos conhecimentos compartilhados dos quais são detentores. Neste sentido, percebe-se que os alunos se familiarizam com os elementos históricos de que são sujeitos e mostraram-se encorajados a reafirmar constantemente suas tradições e a perpetuar os saberes delas provenientes, com a sistematização de conceitos sobre tais saberes. Criou-se, portanto um ambiente escolar de tolerância, de formação da consciência e de reconhecimento da diversidade cultural que faz parte da constituição dos sujeitos contemporâneos. A criação desse ambiente é necessária para que os integrantes da comunidade possam realizar suas reflexões e contribuir para a democratização dos espaços para as expressões plurais da memória coletiva. As narrativas constituintes dessa memória transmitem encantamentos e mistérios da cidade que usufrui de títulos como Patrimônio Histórico da Humanidade e de Capital da Cultura Brasileira 2009. Acredita-se, portanto, que os reflexos do projeto tendem a auxiliar na construção de uma sociedade mais atenta a outras dimensões humanas: o imaginário e os valores do espírito.