61ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança
RENATO RUSSO E UM RETRATO DEBOCHADO DE UM BRASIL PERDIDO: FAROESTE CABOCLO
Marli Rosa 1
1. Depto. de Música, Instituto de Artes-Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa consiste de uma análise histórico-discursiva de Faroeste Caboclo, uma canção gravada nos anos 1980 e composta em 1979, durante o período de ditadura militar. Seu autor, Renato Russo, que viria a ser o vocalista e letrista da principal banda de rock nacional dos anos 1980, a Legião Urbana, ao ser questionado sobre ter uma música com nove minutos de duração, disse que também queria ter a sua Hurricane, se referindo à uma famosa música de protesto de Bob Dylan, com cerca de oito minutos e meio de duração. Faroeste Caboclo é por si só uma idiossincrasia na história da música popular brasileira, pois se encontra em um patamar diferente da tradicional canção de massa: apesar de seus incrivelmente longos 9 minutos de duração, de não possuir refrão em seus 159 versos, e de tender, ao contrário da canção urbana, para a narrativa não-fragmentada, conseguiu ficar por semanas consecutivas nas paradas de sucesso da maioria das principais rádios brasileiras quando de seu lançamento, em 1987. Na época, consistia motivo de orgulho para os jovens brasileiros saber de cor os 159 versos da letra de Faroeste, algo que lembra a cultura oral típica dos cantadores de cordel do Nordeste Brasileiro. Analisar a construção de sentidos em Faroeste Caboclo é o objetivo central deste trabalho.
METODOLOGIA:
Analisar letras de músicas tem se revelado uma tarefa árdua, uma vez que há alguns perigos constantes nessa empreitada, sendo os dois principais a tendência de reduzir a análise explicando os versos meramente pelo contexto histórico-social, além da dificuldade advinda do fato de que a formação de parte considerável dos pesquisadores que se dedicam a este objeto de pesquisa não ter sido realizada em Música. Entretanto, como tem apontado alguns autores, é preciso que o pesquisador reflita sobre seus posicionamentos teóricos e escolhas metodológicas, além de ir de encontro ao conhecimento estritamente musical, a fim de enriquecer a análise do nosso objeto de estudo. Assim, dada nossa formação em Lingüística e Análise do Discurso, esta pesquisa parte do pressuposto teórico de que toda produção de linguagem (inclusive as letras de canções) está inserida em um dado universo discursivo, que é, por natureza, da ordem do histórico-social. No entanto, também entendemos que a Música enquanto arte possui sua linguagem própria - irredutível e não-explicável inteiramente pela linguagem verbal – e, nesse sentido, alguns elementos musicais de Faroeste Caboclo foram considerados na análise, a fim de ajudar na compreensão da sua ligação e diálogo com a letra, a fim de produzir certos efeitos de sentido.
RESULTADOS:
Faroeste apresenta, ao longo de seus 159 versos: 1) uma narrativa longa, forte, com características da cultura oral, especialmente da literatura oral, lembrando um cordel; e 2) uma mistura de influências musicais vindas de diversos gêneros musicais, da música caipira ao punk rock, passando pelo reggae e pop. A narrativa apresenta uma releitura do cangaço, ambientada no espaço urbano e seu universo simbólico, sendo um relato do nascimento, vida e morte cômico-trágica do sujeito/anti-herói. Faroeste, composta em 1979, também possui o mérito de dar o tom da década que estava por se iniciar, a chamada “Década Perdida”, termo cunhado pelos economistas para descrever os anos 1980: a ênfase era nas grandes quebradeiras nos então denominados “países de terceiro mundo”, com destaque para as crises econômicas no México e no Brasil. Faroeste Caboclo nos apresenta uma visão distópica (típica das bandas dos 1980) e debochada sobre o Brasil – oposta ao romantismo revolucionário dos artistas de esquerda dos anos 1960 -, sobre a trajetória e o destino do povo brasileiro, por meio da narrativa sobre um menino pobre e sem perspectivas de um futuro melhor que deixa o nordeste brasileiro e parte para a capital do país, em busca de uma vida melhor, busca que, de saída, já se revela frustrada.
CONCLUSÃO:
Construída como uma longa narrativa oral, a letra de Faroeste Caboclo se assemelha à estrutura dos cordéis produzidos no Nordeste Brasileiro, uma influência remanescente da literatura medieval ibérica. No entanto, apesar da influência decisiva da tradição oral, esta canção apresenta, em suas características musicais, a influência de diferentes estilos musicais - reggae, punk rock, música caipira brasileira, e o pop -, que servem para diferenciar as personagens e a voz do narrador, além de dar o tom da narrativa (tensão, violência, amor, desamparo, etc.). Importante destacar também que a melodia colabora com a memorização da letra, suprindo inclusive a falta de refrão. Tanto a complexa estrutura narrativa como a riqueza musical – ambas diretamente relacionadas e que contribuem para a temática apresentada na letra e para a produção de efeitos de sentido da canção – atestam que o rock nacional dos anos 1980 não foi uma mera cópia do rock internacional. Não obstante, foi especialmente nos anos 1990 que Renato Russo assumiu publicamente que a música da Legião Urbana possuía elementos, senão regionais, nacionais e também latino-americanos, porém mais relacionados com o romantismo latino presente, especialmente, no que se poderia chamar de “canções de amor” da Legião.
Palavras-chave: Rock Nacional, Cultura Brasileira, Brasil anos 1980.