61ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 1. Língua Portuguesa
AS ENTIDADES DA FLORESTA: o imaginário do seringueiro acreano
Márcia Verônica Ramos de Macêdo 1
Meyrelene Ramos de Macêdo 2
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC
2. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
INTRODUÇÃO:

O estudo AS ENTIDADES DA FLORESTA: o imaginário do seringueiro acreano propõe uma descrição física e psicológica dos seres lendários da floresta amazônica visando contribuir com o folclore da região. Além disso, propõe a classificação morfológica e lexical de 135 palavras encontradas nos textos tomando por base a classificação e a definição de alguns dicionários da Língua Portuguesa e um dicionário etimológico. Tem por objetivo efetuar um resgate à pesquisa dialectológica do Norte do Brasil, especificamente no Estado do Acre, cujo trabalho pioneiro deu-se na Universidade Federal do Acre no início da década de 1990, junto ao Centro de Estudos Dialectológicos do Acre – CEDAC. Esta pesquisa tem uma relevância enorme, haja vista os parcos trabalhos escritos sobre o tema, merecendo destaque as estórias registradas pelo saudoso escritor Hélio Melo em seus modestos livros. Nesse sentido, é necessário o registro das estórias orais e lendárias para que, no futuro, demonstrem as crenças dos “heróis da borracha” e espelhe o modo de vida desses homens no interior da floresta amazônica.   

METODOLOGIA:

A pesquisa de campo foi realizada entre os anos de 1991 a 1998, e, sendo  as autoras, responsáveis por parte da coleta uma vez que foram bolsistas de Iniciação Científica do CNPq no projeto referido, naquela oportunidade, deram ênfase à coleta das estórias lendárias contadas pelos seringueiros e seringueiras acreanas. As entrevistas ocorreram junto aos seringais, portos e municípios demarcados para a pesquisa nas áreas dos Vales do Acre, Juruá e Purus. E o corpus faz parte do acervo do CEDAC cuja finalidade é a elaboração do Atlas Linguístico do Acre. Foram selecionadas mais de 300 entrevistas de homens e mulheres, seringueiros e seringueiras acreanos, em 3 faixas etárias: de 15 a 25 anos, de 26 a 36 anos e de 37 até 80 anos. Após a transcrição grafemática das entrevistas, buscou-se a homogeneização dos dados, na feitura dos textos, fazendo a adequação às normas gramaticais em relação aos aspectos linguísticos considerando que seria um material didático a ser manuseado por alunos e professores. O fruto dessa primeira parte da pesquisa resultou na publicação de um livro e a partir dos textos do mesmo iniciou-se a descrição física e psicológica das entidades da floresta e, devido a riqueza vocabular encontrada nos textos, optou-se pela feitura de um glossário contendo 135 lexias, seguindo os preceitos da Lexicologia e Lexicografia com a consulta exaustiva a dicionários da língua portuguesa, entre os quais Houaiss (2004), Ferreira (1986), Aulete (2004) e o dicionário etimológico de Nascentes (1966) a fim de verificar quais lexias encontram-se dicionarizadas ou não, se tem ou não a mesma acepção descrita no contexto. Fundamenta-se esse estudo nos pressupostos teóricos da Dialectologia, da Geografia Linguística, da Lexicologia e da Língua portuguesa.

RESULTADOS:

No ano de 2007 as autoras apresentaram o projeto As lendas da floresta contadas por seringueiros acreano à lei de Incentivo à Cultura no Estado do Acre e conseguiram a publicação de um livro que, das 300 estórias revistas, conseguiu reunir cinquenta e oito estórias das entidades da floresta amazônica, entre as quais citam-se: Caboclinho da Mata, Caipora, Mãe d’Água, Mãe da Mata, Mãe da Seringueira e Mapinguari. O objetivo desta proposta era o de disponibilizar aos professores das redes estadual e municipal de ensino e à clientela estudantil, em geral,  estórias próprias da região amazônica contadas in locu por homens e mulheres acreanas que nunca saíram do seringal, que viveram ou ouviram contar as fabulosas narrações. Com a feitura dos textos e a publicação do livro, partiu-se para o estudo desta comunicação AS ENTIDADES DA FLORESTA: o imaginário do seringueiro acreano acerca das descrições física e psicológica das seis entidades lendárias da Amazônia retratadas no livro citado.  O Caboclinho da Mata, por exemplo, é uma entidade da floresta, protetora dos animais, que assusta os caçadores quando estes estão caçando e/ou maltratando os animais. Para eles, o Caipora é o mesmo “Caboclim”. Ele é pequeno, de cabelos compridos até o chão, um “meninozinho”, sapeca e danado. A Mãe-da-Seringueira, por sua vez, é uma figura muito temida pelos seringueiros. Ela  é alta, de cabelos compridos,  e protege as árvores da seringa e pune os que a maltratam. O Mapinguari, de todos, é o mais assustador. Ele é bastante alto e feio, não tem as juntas e costuma comer as pessoas. “É um bicho, uma fera”. Mas, tem-se a suavidade da Mãe-d’ Água, que é uma entidade  bonita, de cabelos longos, vive nos rios e protege as águas. E a Mãe-da-Mata que protege a caça assim como o Caboclinho. Com a coleta dos dados pode-se obter um total de 135 lexias significativas sobre o tema estudado entre verbos, substantivos, adjetivos e advérbios e algumas expressões nas quais se fez o levantamento do significado de acordo com a descrição do informante e num contexto específico. Os resultados demonstram que das seis entidades estudadas a do Caboclinho da Mata é a mais representativa com 23 ocorrências, sendo 10 na faixa 1 (15 a 5 anos), seguida de 09 na faixa 2 (26 a 35 anos) e 04 na faixa 3 (36 a 80 anos). Em segundo temos a Mãe da Seringueira com 14 estórias contadas, sendo 5 na faixa 1, 2 na faixa 2 e 7 na faixa 3. Em terceiro, tem-se o Mapinguari com 13 ocorrências, com 4 na faixa 1, 4 na faixa 2 e 5 na faixa 3. As entidades Caipora e Mãe d’ Água têm três ocorrências cada, sendo uma em cada faixa-etária. Por fim, a Mãe-da-Mata teve apenas duas estórias narradas, uma na faixa 2 e uma na faixa 2 e nenhuma na faixa 1. Em relação à classificação das lexias  percebeu-se que grande parte encontra-se dicionarizada, mas algumas com acepções diferenciadas. Contudo, essa parte, especificamente, encontra-se em fase de revisão e computação dos dados em gráficos e tabelas.

CONCLUSÃO:

Diante do exposto, percebeu-se que as estórias lendárias são um resgate à memória do povo acreano que tanto sofreu e sofre as peculiaridades dos seringais, das colocações, dos longínquos lugares que habitam, muitas vezes sem lazer, educação e condições de saúde adequadas. A experiência é única pelo fato de os informantes acreditam em seres imaginários que lhes dão o dom da oralidade, e um presente aos leitores por poderem compartilhar de suas vivências e resgatar as lendas próprias da Amazônia. Para as professoras valeu o esforço deste resgate histórico, quando de suas viagens às Zonas demarcadas para a pesquisa, junto aos seringais, aos portos das localidades, nas colocações, estradas, andando a pé, de barco, de canoa, passando apuros, fome, sede, frio e com as inúmeras picada dos carapanãs.  Além da dificuldade de encontrar os informantes da faixa 1, sobretudo os do sexo feminino para realizarem as entrevistas. Para se chegar a essas conclusões, além dos referencias citados, imprescindível foi o referencial teórico de Câmara Cascudo, um dos maiores folcloristas e historiadores do Brasil. No entanto, nos ficou devendo uma pesquisa mais detalhada sobre as figuras lendárias que descrevemos neste estudo e específica da região norte. Pesquisa essa cujo corpus faz parte do acerco do  projeto CEDAC, desenvolvido na Universidade Federal do Acre há 20 anos, aproximadamente. É certo que há, ainda muito por se pesquisar.

Palavras-chave: DIALETOLOGIA, LEXICOLOGIA, FOLCLORE.