61ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 4. Geografia - 3. Geografia
RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS ESPACIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS SETORIAIS: UMA QUESTÃO DE CULTURA POLÍTICA
Daniel Felipe Zerbetto Vera 1
Marília Steinberger 1, 2
1. Dpto. de Geografia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília/UnB.
2. Orientadora
INTRODUÇÃO:

É inevitável que uma política pública traga efeitos sobre o processo de produção de espaço: pela criação de novos objetos, pela criação de novas atitudes, pela mudança na conduta de indivíduos de toda natureza e função social, política e econômica, as políticas públicas possuem um “acontecer espacial-territorial”. O conceito geográfico de espaço é mal compreendido e isso acarreta em um grave problema às políticas públicas. A partir da constatação empírica desse problema e dando seqüência a uma linha de pesquisa e debate sobre a relação entre teoria geográfica e políticas públicas, este trabalho discute o fato de que, para qualquer discurso de política setorial que se analise, por trás do que está escrito, e mesmo por trás dos mais inovadores instrumentos de planejamento e execução, estão entendimentos “setorializantes” sobre a administração governamental e “segmentantes” sobre a realidade espacial do país. Combinados ou isolados esses entendimentos corroboram para a manutenção de uma cultura político-administrativa ineficiente e resistente a mudanças, viciada historicamente pelo patrimonialismo, clientelismo e paternalismo e propícia para a ocorrência das chamadas “falhas de Estado”, corrompendo assim o acontecer espacial-territorial das políticas públicas.

O objetivo deste trabalho é, a partir da discussão acima, revelar o papel estratégico da academia para diminuir as falhas de Estado causadas pelo fenômeno “segmentação-setorialização” no processo de produção de políticas públicas.

METODOLOGIA:

           Considerando que a análise de documentos de políticas públicas requer metodologia cara à Geografia, no que diz respeito a critérios formais de comparação e interpretação, utilizou-se a análise dos discursos contidos nas entrelinhas dos textos de documentos oficiais de políticas públicas setoriais.No decorrer da pesquisa, entretanto, constatou-se a desnecessidade de proceder à análise de mais documentos além dos que haviam sido analisados em pesquisa anterior. A partir daí a revisão bibliográfica referente à administração pública, direito constitucional e administrativo, políticas públicas e geografia política serviu para o desenvolvimento de reflexões sobre o chamado “processo de produção de políticas públicas”. A pesquisa, portanto, assumiu postura teórica, desenvolvendo seu próprio referencial metodológico.

RESULTADOS:

O percurso reflexivo empreendido neste trabalho acabou sendo o próprio resultado, pois a proposta inicial de estudo de caso mudou ao longo da pesquisa, não permitindo a identificação de resultados objetivos. Cabe aqui apenas reafirmar algumas das conclusões:

 

*A não vinculação das políticas públicas a um projeto nacional bem definido e delongo prazo, fragmenta o processo de governança ao longo do tempo. Deve-se pensar o Brasil em sua dimensão histórico-geográfica, buscando um substrato comum de atuação para bem proceder sobre os problemas que se apresentam ao país.

 

*Ao vincular uma política a um território, observando suas características e daí empregando e transformando meros dados e informações territoriais em conhecimento espacializado, o Estado ganha a oportunidade de dar coerência à sua atuação e produz suportes mais concretos às decisões que toma.

 

*Aquilo que é entendido como política setorial, em geral, diz respeito a políticas que incidem sobre os sistemas de engenharia, seja para atender a interesses privados dos distintos setores da economia (primário, secundário e terciário)seja para atender a interesses públicos que aparentemente nada têm a ver com a competitividade da economia local face ao cenário global. Sendo assim, o trabalho cooperativo entre sociedade e Estado no Processo de Produção de Políticas Públicas é indispensável para que se façam perceber os interesses da sociedade.

 

*A participação é uma falácia e o participacionismo é uma ideologia cínica, pois a participação só é efetiva, ou seja, só alcança seus resultados, se for bem informada e se conhecer as regras do jogo político, algo que, hoje, só ocorre para grupos bem organizados, que contam com membros das elites do conhecimento que, paradoxalmente, são oriundas da academia.

 

CONCLUSÃO:

Dada a existência de uma cultura político-administrativa no Brasil que na administração pública se manifesta negativamente quando do Processo de Produção de Políticas Públicas ao interpretar de maneira setorializada o planejamento e segmentada o espaço, os efeitos desses inadequados entendimentos são, ao final, inadequados procedimentos. Ao formular políticas públicas sem o adequado entendimento de espaço o Estado faz com que as políticas moldem a vida da sociedade ao inverso do que deveria ser.A incoerência das ações do Estado em relação aos resultados esperados pela sociedade se traduz em um conceito pouco explorado: as falhas de Estado.

            O Estado falha quando não consegue conter as falhas de mercado e quando não cumpre com seus propósitos fundamentais, que no caso do Brasil estão expressos no preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Quando não consegue distribuir recursos de forma a garantir os bens indispensáveis à qualidade de vida, a segurança, a educação, o saneamento básico, a saúde, o lazer, o Estado falha. Se formular políticas inadequadas, se não possuir uma diretriz mais clara do que o ‘interpretabilíssimo‘ texto constitucional para orientar essas políticas, se fizer da política um negócio e das políticas públicas um laboratório, se perder o controle sobre a ordem do território e se não compreender corretamente o que se passa no mundo que existe fora dos gabinetes e escritórios públicos, o Estado falha. Daí a relação causal entre os fenômenos da setorialização e segmentação e as falhas de Estado.

Foi, portanto, em virtude de haver concluído que a cultura política permanece apesar das mudanças nos governos, na organização do Estado, nas tipologias dos planos, nos aportes tecnológicos que se entendeu que independentemente de qual setor se analise se chegará às mesmas inferências, pois o pano de fundo, a visão tacanha é a mesma do passado no presente.

A idéia de mudança na cultura política, contudo, remete à idéia de reforma do Estado, mas é importante que se diga que uma reforma de Estado não deve ajustar apenas o aparato e o comportamento dos agentes ditos ‘estatais’, mas também o aparato e o comportamento da sociedade, sua relação com a política e com o território. Trata-se, sobretudo, de uma velha questão, de um dito velho problema brasileiro: a busca pela cidadania, aqui entendida não apenas como cidadania política, mas também como cidadania territorial, conceito novo a ser adicionado às reflexões de futuros estudos. O entendimento do que venham a ser os “usos do território” é um primeiro passo nesse sentido.

Instituição de Fomento: UnB / CNPq
Palavras-chave: Estado e Território, Políticas Públicas Espaciais, Cultura Política, Planejamento e Cidadania Territorial.