61ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO FEMINISTA BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1970: UM ESTUDO DA IMPRENSA FEMINISTA ALTERNATIVA
Mariana Jafet Cestari 1
Mónica G. Zoppi Fontana 1, 2
1. Unicamp - Instituto de Estudos da Linguagem - Departamento de Lingüística
2. Profa.Dra.
INTRODUÇÃO:

As décadas de 1960 e 1970 marcaram o movimento feminista em diversos países. No Brasil, na década de 1970, no bojo do movimento contra a ditadura militar e conjuntamente com as forças políticas de esquerda, formaram-se grupos e jornais nacionais que se autodenominavam feministas, eram dirigidos às mulheres e feitos por mulheres. Neste trabalho, são estudados os editoriais dos jornais Brasil Mulher (1975-1980) e Nós Mulheres (1976-1978), parte da imprensa feminista alternativa. Estes jornais são considerados fundadores e fundamentais na constituição do projeto e do discurso feminista brasileiro contemporâneo, pelo papel que cumpriram como divulgadores, formadores e organizadores do movimento no país. Sob a perspectiva teórico-analítica da Análise do Discurso materialista, apresentamos algumas regularidades deste discurso feminista. São explorados processos discursivos como o funcionamento da denúncia e da figura enunciativa do porta-voz, que configuram um lugar de enunciação de forma a permitir processos de subjetivação do nós mulheres identificadas com o feminismo. Também analisamos as imagens de homens no discurso feminista e o funcionamento discursivo da negação como revelador de um adversário político do feminismo e dos confrontos do discurso feminista com outros discursos.

METODOLOGIA:

A Análise do Discurso (AD) situa-se no entremeio das ciências humanas como uma teoria crítica da linguagem. Sua especificidade está em pressupor a lingüística em sua metodologia de tratamento da linguagem sem, no entanto, limitar-se a ela. Com filiação nesta perspectiva teórica, esta pesquisa assume o pressuposto de que os sentidos “não existem em si mesmos”, em uma relação transparente de literalidade com seus significantes e referentes; pelo contrário, eles são determinados pelas “posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas)”. (Pêcheux, 1988, p.160)

O corpus desta pesquisa é composto por enunciados dos editoriais dos jornais feministas Brasil Mulher e Nós Mulheres. Estes jornais foram pesquisados em todas as suas edições no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/Unicamp). Adotamos “uma concepção dinâmica do corpus que o considera em constante construção, conforme o desenvolvimento da análise, e que possibilita descrever os regimes de enunciabilidade em sua dispersão, tanto nas regularidades de funcionamento quanto nas rupturas provocadas pelo acontecimento” (ZOPPI-FONTANA, 2005, p.95).

RESULTADOS:

Apresentamos aqui alguns funcionamentos do discurso feminista analisado.

A denúncia funciona como dispositivo de identificação/subjetivação do enunciador que permite processos de subjetivação na resistência para as mulheres identificadas com essa posição. Neste sentido, configura-se um nós inclusivo (feministas editoras dos jornais e mulheres identificadas com o feminismo) como lugar de enunciação que torna possível ação política coletiva do nós mulheres. No trabalho do discurso político sobre mecanismos imaginários de constituição de identidades para produzir a representação de um coletivo, ganha lugar a figura enunciativa do porta-voz. Pudemos ainda analisar o funcionamento de dois tipos de negação no discurso feminista. O primeiro revelou que o discurso feminista estabelecia o governo militar como um adversário político, mesmo que por vezes não o nomeasse. O outro funcionamento discursivo da negação evidenciou os diálogos e confrontos do discurso feminista com o discurso de esquerda enquanto memória discursiva. As imagens de homens no discurso feminista aparecem com regularidade de duas formas: como outro, relacionado a mulheres por meio de comparações, ou como “parceiro”, que junto com as mulheres deveria “lutar” para “eliminar qualquer tipo de opressão”.

CONCLUSÃO:

“Vencidas as dificuldades iniciais, é como escreveu uma companheira: ‘Hoje já é possível pensar em mim sem esquecer de você ou de todas nós, pensar em todas nós sem me sentir dividida na luta política mais ampla, e pensar em política sem que para tal tenha que me esquecer de mim ou de nós. E isso já é muito mais que um começo.’” (Nós Mulheres, n.5, 1977) 

Para finalizar, trazemos um recorte que apresenta uma espécie de balanço deste novo sujeito político mulheres identificadas com o feminismo. Como demonstramos neste trabalho, os jornais feministas fizeram parte de um processo de construção de um lugar de enunciação público e político das mulheres: tornou-se possível dizer (de) “todas nós”. Como historicamente a mulher foi identificada com o espaço privado e este espaço foi subordinado ao espaço público, ocupado majoritariamente por homens, a construção de um lugar de enunciação público interveio na relação de forças entre sentidos em nossa sociedade. Este lugar de enunciação tornou politizado e dizível publicamente o não-dizível até aquele momento.

 

Instituição de Fomento: PIBIC/CNPq - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
Palavras-chave: discurso , feminismo, resistência.