62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
A ESTÉTICA PÓS-MODERNA EM ÁGUA VIVA DE CLARICE LISPECTOR
Andréa Machado da Cunha 1
Carlos Magno Santos Gomes 2
1. Núcleo de Letras, Universidade Federal de Sergipe - Campus Professor Alberto Car
2. Prof. Dr. / Orientador - Núcleo de Letras, Universidade Federal de Sergipe - Cam
INTRODUÇÃO:
Este trabalho analisa como a representação da artista faz-se presente no romance Água Viva (1973), de Clarice Lispector. Tal representação é usada nas narrativas modernas como um autoquestionamento do próprio texto que está sendo narrado. Na obra citada, a protagonista narra sua vida em forma de monólogo marcado pela fluidez, pela aparência inacabada e inconclusa, produto da liberdade. Há no romance uma fragmentação da forma textual e do sujeito feminino que traz reflexões acerca da construção da identidade da artista e do texto literário. As particularidades da metanarratividade vitalizam essa forma de construção romanesca em que o sujeito artístico está em cena. Tal fenômeno intensifica as reflexões do próprio limite da literatura como um dos temas do romance pós-moderno. Em Água viva, temos um relato narrativo de sua vida de pintora. Ela mesma se pergunta e responde sobre suas telas e as crítica. A problemática da construção de outro romance é exemplificada na forma de pintar, sofrida e dolorida, que metaforiza o próprio ato de escrever. Aqui, procura-se discutir "como" a representação da artista ocorre na narrativa feminina.
METODOLOGIA:
Esta pesquisa articula conceitos de arte e linguagem literária. Água Viva se trata de uma obra metanarrativa que dá suporte para novos questionamentos em relação à forma como a artista é representada no romance contemporâneo. O autoquestionamento da artista é usado para valorizar as diversas posições discursivas que a autora assume na narrativa, destacando-se a problemática feminina e a artística. A relação entre a imagem e a palavra é uma constante nesse romance. A protagonista expressa o seu sentimento por meio da arte. Dessa forma, os conceitos de escrita e representação, que são questionados no decorrer da narrativa, dão suporte a leitura pós-moderna. Uma das suas marcas é a referência ao próprio texto narrado é muito comum à literatura que explora a "metanarratividade" como "reflexão que o texto faz sobre si mesmo e sobre a própria natureza, ou intrusão autoral que reflete sobre o que se está contando e talvez convide o leitor a compartilhar de suas reflexões" (ECO, 2003, p. 42). O estudo da metanarratividade e da paródia nos remete a outro conceito para a pós-modernidade, o da intertextualidade. Para o estudo de pós-moderno, aplicam-se alguns conceitos de metanarratividade, paródia, intertextualidade, propostos por Linda Hutcheon (1989) e Umberto Eco (2003).
RESULTADOS:
O jogo entre escrita e pintura presente em Água Viva nos propõe a reflexão própria da subjetividade do gênero literário. Entrar nessa narrativa requer um pacto do leitor com sua carga de ruptura e de fragmentação da linguagem, recursos próprios do pós-moderno. Dessa forma, o autoquestionamento literário pode ser apontado como um processo de reflexão estética sobre a forma romanesca que se apropria das técnicas da metanarratividade para repensar o lugar da literatura no mercado editorial. Na obra, o relato da pintora se constitui como uma mulher esfacelada que escreve e pinta para um namorado, por meio de um processo que dá sentido à sua vida. Dessa forma, deve-se levar em conta que, para haver o entendimento da obra, é preciso que o leitor esteja atento aos artifícios da narrativa, pois o texto narrado necessita de um "leitor modelo", que além de notar "o que foi narrado no texto", perceba a maneira "como foi narrado o texto" (ECO, 2003, p. 208). O leitor precisa entender o jogo que sustenta esse romance: pintura e escrita. Como nos ensina Hutcheon (1989), tal jogo é produzido com o uso da paródia que "(...) atua como um expediente de elevação da consciência, impedindo a aceitação dos pontos de vista estreitos, doutrinários, dogmáticos de qualquer grupo ideológico".
CONCLUSÃO:
Pelo exposto, evidencia-se a representação da artista na obra Água Viva como marca do autoquestionamento próprio das narrativas pós-modernas. Para conseguir tal experiência literária, a narradora do romance se lança em infinitas reflexões sobre o tempo, a vida e a morte, os sonhos e visões, as flores, os estados da alma, a coragem e o medo e, principalmente, a arte da criação, do saber usar as palavras num jogo de sons e silêncios. Essas marcas de fluidez são próprias das narrativas pós-modernas. A forma de pintar, sofrida e dolorida, que metaforiza o próprio escrever, busca dizer o indizível, ou seja, como a pintura era vista num primeiro olhar ou leitura. Dessa forma, Clarice estabelece uma forte relação entre a pintura e a literatura: é como se ela precisasse captar o presente ultrapassando os limites da linguagem, daí a ruptura de fronteira entre literatura e pintura, daí seu tom paródico: "ao escrever, não posso fabricar como na pintura, quando fabrico artesanalmente uma cor" (LISPECTOR, 1993, p. 16). Essa perspectiva que é tanto manifestação da paródia como da metarratividade tem a marca do texto de Lispector que dá a condição diferencial do espaço da mulher que faz da arte um lugar de reflexão.
Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Palavras-chave: Metanarratividade, Autoquestionamento, Romance pós-moderno.