62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 3. Cinema
CRASH - NOS LIMITES DO MULTICULTURALISMO
Antônio Lázaro Vieira Barbosa Junior 1
Maria Helena Braga e Vaz da Costa 2
1. Departamento de Filosofia / UFRN
2. Profa. Dra./Orientadora - Departamento de Artes / UFRN
INTRODUÇÃO:
Uma das formas de estudar cinema é considerar o modo como ele constrói o espaço urbano, incluindo aí a representação de tensões culturais, sociais e de identidade, as quais assumem, por sua vez, a forma de discursos e práticas discriminativas e/ou emancipatórias, observado o contexto histórico e geográfico em que se inserem. A época em que vivemos, dita pós-moderna, se caracteriza por uma exacerbação ad nauseam de tais conflitos, marcados por incertezas, avanços e retrocessos. Uma de suas conseqüências é a configuração do espaço urbano como um espaço híbrido - não só transformado de modo a apresentar elementos e práticas culturais, sociais e identitárias superpostos, mistos entre si, como também delimitando, de maneira diferenciada, a intervenção dos atores envolvidos nesse processo. Meu objetivo é empreender uma análise fílmica do espaço urbano no filme "Crash - No Limite" (Paul Haggis, 2004), cujo enredo se ambienta na cidade de Los Angeles, notória pela abundância de habitantes dos mais diversos grupos étnicos e problemas sociais entrelaçando-os ostensivamente.
METODOLOGIA:
A análise do filme se deu em algumas etapas. De início, procedi à leitura de textos relativos à problemática acima exposta, enfatizando a teoria do cinema e os estudos culturais. Em seguida, passei à seleção e correlação de conceitos e debates acerca destes para o direcionamento da análise: montagem (largamente desenvolvida pelos expoentes do cinema russo, em especial Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudóvkin e Dziga Vertov), considerando que a edição dos fragmentos fílmicos confere significado ao espaço aí construído; multiculturalismo, em especial as observações de Stuart Hall (cf. "Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais"), o qual afirma a existência de diferentes concepções de multiculturalismo, freqüentemente chocando-se entre si; eurocentrismo, apoiado nos estudos de Ella Shohat e Robert Stam ("Crítica da Imagem Eurocêntrica"), que denunciam as apropriações eurocêntricas de elementos culturais que lhe sejam estranhos, além de seus efeitos sobre a produção de bens culturais ao redor do planeta; e, finalmente, me servi de um extenso estudo sobre a produção do espaço urbano de Los Angeles ("Cidade de Quartzo", do geógrafo Mike Davis).
RESULTADOS:
No cerne de "Crash - No Limite", o preconceito surge como a tônica dos dilemas oriundos dos embates multiculturais presentes em Los Angeles, assim como marcas de eurocentrismo. Exemplos disso são os estereótipos: a policial Ria, chamada de mexicana por seu namorado, o detetive Graham, o repreende aludindo à origem de seus pais; numa outra cena, Farhad e sua filha Dorri, iranianos, recebem a pecha de árabes por um vendedor de armas enquanto discutem em persa. Os policiais Ryan e Hansen personalizam a ambigüidade da visão racista dos brancos em relação aos negros, ao passo que um destes, o diretor Cameron Thayer, se sente desconfortável em se conceber como tal. Jean Cabot, esposa do promotor Rick Cabot, expõe sua aversão a Maria (sua empregada doméstica) e Daniel (um chaveiro), representantes da população de mexicanos e descendentes, alvo de forte discriminação nos EUA. Ao final do filme, o ladrão Anthony liberta um grupo de imigrantes ilegais asiáticos de um furgão, dando-lhes um pouco de dinheiro para comprar comida e partindo como se sentisse recompensado. Importa ressaltar, no entanto, que o espaço fílmico retrata um espaço urbano fragmentado, experienciado e produzido de modo heterogêneo, dada a variedade de conflitos entre os personagens - ou seja, um espaço híbrido.
CONCLUSÃO:
A montagem de "Crash - No Limite" recria um espaço híbrido, no qual as tensões entre os personagens prosseguem em aberto. A fragmentação de uma narrativa mestra em histórias menores permite uma apreciação mais detalhada dos diversos ambientes por onde percorre a câmera, que os filma com cores fortes - como que realçando as contradições entre eles. Por outro lado, não há nenhuma defesa em favor dos personagens; não há uma tomada de partido, a não ser a recusar em se tomar partido - isto é, não há uma proposta de utilização de códigos e convenções para a construção de um processo de identificação do espectador com nenhum dos personagens do filme. No que concerne ao exercício de análise do espaço urbano no filme, bem como das mediações culturais nele exibidas, é necessário lidar com a espetacularização sintomática da pós-modernidade. Nesse momento aparecem duas tarefas: o diagnóstico dos limites do multiculturalismo, simultaneamente traçados e transgredidos (o que procurei realizar aqui) e uma crítica desse diagnóstico, a fim de investigar em que medida filmes como "Crash - No Limite" contribuem para a saída ou imersão em tais limites (tarefa essa que deixo em aberto para um próximo trabalho).
Instituição de Fomento: CNPq
Palavras-chave: espaço híbrido, multiculturalismo, pós-modernidade.