O presente trabalho, realizado para a elaboração de uma tese de doutorado, consistiu em um estudo de uma parcela do discurso que objetivava regular e configurar a formação e a atuação do professor de língua portuguesa, no que se referia ao trabalho com a leitura literária desejado para o chamado novo Ensino Médio. Orientada pelas teorizações do filósofo francês Michel Foucault e em estudos foucaultianos, a pesquisa considerou o discurso naquilo que ele faz e partiu do pressuposto de que o professor era uma construção discursiva, atravessada por discursos que se materializavam, entre outras formas, nos documentos que tinham por finalidade a regulação e a configuração da formação dos docentes atuantes (e/ou que atuariam) na educação formal brasileira.

Assim realizou-se uma análise do discurso divulgado em uma materialidade discursiva composta pelos seguintes documentos: 1) os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do Ensino Médio (1999), 2) os PCN+ de Língua Portuguesa do mesmo nível de ensino (2002), 3) as Orientações Curriculares do Ensino Médio de Língua Portuguesa (2006), 4) o Plano Nacional de Educação (PNE 2001), 5) as Resoluções CNE/CP 1 e CNE/CP 2, publicadas no Diário Oficial da União de 09 de abril de 2002 (que tratavam da regulação dos cursos de formação de professores para a atuação na educação básica), 6) as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Letras, publicadas sob o formato do Parecer CNE/CES 2001, publicado no Diário Oficial da União de 09/07/2001, 7) os Projetos Político-pedagógicos de dois cursos de Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa (o da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e o do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa). Logo, o discurso veiculado em toda essa materialidade foi inquirido - fundamentando-se em elementos da análise da enunciação e da genealogia foucaultianas - sobre que modo de ser professor de língua portuguesa para o trabalho com a leitura literária no novo Ensino Médio esses documentos demandavam e fabricavam?

A análise realizada no presente trabalho permitiu dar visibilidade a um refinado processo de conversão através do qual o outrora denominado Professor de Literatura do Segundo Grau deveria se transformar e ser transformado (ou dar lugar) em (ao) formador de leitores críticos de textos literários. Assim sendo, como resultado da pesquisa feita evidenciou-se como, através de uma estratégica argumentação desenvolvida nos documentos oficiais, o primeiro veio sendo tornado obsoleto e ultrapassado, devendo ser substituído pelo último, que teria, por sua vez, teria como principais predicados: ser um sujeito docente consciente das especificidades do público jovem com o qual interagiria nas aulas, ser qualificado, ser atualizado, ser um sujeito tecnológico, ser um pesquisador, ser um leitor crítico e não ser preconceituoso (já que compreenderia e respeitaria as leituras extra-escolares dos aprendizes, bem como as opções de leitura e posicionamento destes). Além disso, a descrição desse processo de (re)invenção de um outro sujeito docente para o trabalho com a leitura literária no chamado novo Ensino Médio permitiu, ainda, significar a instauração, nos documentos analisados, de uma extensa rede de continuidade de discursos acadêmicos, sobretudo os assentados nas pedagogias críticas e relacionados à questão da leitura e da escolarização da literatura veiculados no país entre os anos 1980 e 1990.

Nesse sentido, o trabalho possibilitou o levantamento de evidências de que como o discurso então analisado, movimentado por vontades de poder e articuladas com o saber, compôs um emaranhado discursivo acerca da formação e atuação do professor de Língua Portuguesa para o trabalho com a leitura literária. Neste, o professor de português, no que se refere ao trabalho com a leitura literária, veio sendo (re)inventado nas últimas décadas do século XX e na primeira do século XXI, de modo a atender urgências históricas e a vontades de verdade sustentadas não só por interesses nacionais, mas também internacionais, de promover, no trato com o texto literário, uma mudança na instituição escolar que, por sua vez, implicaria em mudanças no ambiente extra-escolar e na a sociedade.