62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
UM ESTUDO DA PERCEPÇÃO E DOS USOS DA FLORA EM COMUNIDADES DE PESCADORES DE SÃO MIGUEL DO GOSTOSO.
Cláudio Rogério dos Santos 1
Francisca de Souza Miller 1
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
INTRODUÇÃO:

          Nossa pesquisa está centrada na Comunidade São Miguel do Gostoso. O município se localiza na microrregião Litoral Nordeste, pertencente à microrregião Leste Potiguar, no Rio Grande do Norte, e ocupa uma área de 342,45 km². Os solos são compostos por latossolos e areias, ácidos e de fertilidade natural muito baixa. A vegetação é caracterizada pela caatinga hipoxerófila, hiperxerófila e cerrado. O clima tropical chuvoso com verão seco. Em 2000, a população municipal era de 7.580 habitantes, destes 2.902 pessoas habitavam na sede do município e 4.678 pessoas nas demais localidades morando e trabalhando no campo.  

O presente plano de trabalho faz parte de um projeto mais amplo intitulado, "Estudos etnográficos de algumas comunidades pesqueiras do Rio Grande do Norte e vizinhanças", realizado no período de outubro e novembro de 2008, mas ainda em andamento. Neste trabalho buscamos: 1 - Compreender a manipulação das plantas consideradas medicinais; sua utilização como um meio de saúde coletiva; e, em especial, o conhecimento botânico da população desta comunidade. 2 - Levantar e estudar as informações do potencial existente nesta localidade, o conhecimento pesqueiro de uma forma mais ampla e, mais especificamente, o uso e percepção das plantas.

Realizamos leituras sobre teoria e métodos, sobre a pesca artesanal em geral e sobre os estudos já feitos em outros estados sobre o uso das plantas medicinais. 

Dentro da abordagem antropológica, realizamos leituras para compreender melhor como funcionam os tipos de comunidades pesqueiras com tradição da pesca artesanal, bem como para entender como se constituem seus padrões de relacionamento social e econômico e quais os fatores externos que ocasionam mudanças e modernização.

               No que diz respeito ao uso das plantas medicinas, escolhemos alguns autores no campo da Biologia, da Etnobotânica, da Etnoecologia e da Etnofarmacologia que correspondessem ao plano de trabalho. Tais estudos apresentam uma nova perspectiva da Etnociência para uma possível para uma possível compreensão a partir do conhecimento e o uso das plantas, repassados de geração para geração,  com técnicas próprias, por populações tradicionais. Esses autores abordam conteúdos metodológicos quanto ao uso e à manipulação das partes das plantas em certas Regiões do Brasil e quais doenças são tratadas por meio da Fitoterapia.

 

METODOLOGIA:

           Durante a primeira expedição à comunidade de São Miguel do Gostoso encontramos com moradores e lideranças locais e os entrevistamos, para explicar os objetivos de nossa pesquisa junto à comunidade e, assim, obter a aceitação destas pessoas ao projeto.

          Realizamos levantamento bibliográfico sobre a temática da pesca e, durante as expedições ao local de estudo utilizamos: 1) Um roteiro de lugares que deveriam ser visitados, 2) Máquinas fotográficas, 3) Blocos de papel e canetas para anotações, 4) MP4 e pen drive para gravação das entrevistas. A aceitação do uso desses recursos e da metodologia também é descrito nas pesquisas realizadas por Miller, na Comunidade de Pesca de Barra de Tabatinga, em 2002, e em Patané/Camocim, em 2005.  Utilizamos a observação participante (CICOUREL, 1975) com anotações durante as entrevistas abertas (RUDIO, 1983), pois dessa forma, os informantes se sentiam mais à vontade. Documentamos fotograficamente e realizamos a coleta de algumas amostras das espécies de plantas nos quintais. A citada técnica é utilizada pela biologia e pela Etnobotânica (PRANCE, 1997 & MONTEIRO e outros, 2005). 

RESULTADOS:

Até o momento, contamos com dez entrevistas realizadas, das quais, nove estão transcritos e uma em fase de transcrição. A maior parte das entrevistas diz respeito ao uso e a percepção das plantas em São Miguel do Gostoso. Cinco delas foram realizadas no Município de São Miguel do Gostoso e as outras cinco ocorreram em Natal.

Através dos contatos com os moradores, as seguintes informações:

A) Em São Miguel do Gostoso:

            Francisca Teixeira Martins e José Mariano Gomes tem conhecimentos sobre as plantas (folhas e semente). São também rezadores.

            Valdeci Correia da silva e Francisca Garcia de Souza conhecem as plantas (as folhas e os frutos) que são utilizadas para chás utilizados no tratamento de problemas gástricos (dores).

             Outro é o agricultor Manoel Ferreira, que não tem conhecimento sobre a utilidade de algumas plantas, mas conhece os nomes e sabe onde encontrá-las.

             B) Em Natal:

 Fátima Maria, Maria Isabel e Josimar Francisco (todos da mesma família) vendem produtos medicinais e tem conhecimento sobre a utilização de várias partes da plantas tais como: raiz, casca, fruto, sementes e folhas. As plantas relacionadas são utilizadas tanto para o preparo de chás, quanto também para a produção da garrafadas. (Segundo os informantes as garrafadas não são recomendas para o tratamento de crianças. Recomendam que as crianças sejam tratadas somente com xarope caseiro denominado pela informante de "lambedor").

              Eliane Xavier, considerada Mangaieira (de mangaio) - pessoas que vendem ervas - comercializa produtos como: raiz, casca, fruto, sementes, folhas, para fazer chás e garrafadas.

              Francisca Teixeira e José Mariano, rezadeira e curador, utilizam as folhas nas rezas para a cura. Francisca afirma que qualquer planta (Pinhão Manso, Pinhão Brabo, Hortelã de são Francisco, Manjirióba, etc), que qualquer planta medicinal, pode ser utilizada para a reza, pois dá o mesmo efeito. Já o Senhor Mariano, só utiliza dois tipos de folhas. Outras não dariam o mesmo resultado porque murcham  durante a utilização.      

              Os raizeiros vendem produtos tanto para alimentos quanto para a cura. Os informantes afirmam  ter observado que  o remédio preparado com apenas uma planta, em geral cura uma única doença . De acordo com estes, a garrafada, preparada com trinta tipos de ervas, serve para variados tipos de doenças (Gastrite, inflamação Ovário, útero, cisto, displasia e outros). Já a mangaieira só precisa de sete a nove produtos para o preparo final de uma garrafada. Ambos dizem que seus conhecimentos foram adquiridos com o tempo através da observação e teste; daí percebem os resultados.

             Para os informantes a categoria mato é tudo aquilo que não tem uma utilidade prática. O lugar do mato é fora do quintal. De acordo com os informantes é no meio do mato que nascem as plantas as quais são utilizadas para os remédios. Por exemplo, a rezadeira afirma que a categoria planta é o que ela usa para as rezas, e o que não tem esta utilidade é considerado mato.

Até a presente fase da pesquisa não constatamos conexões entre as plantas e os rituais religiosos.

CONCLUSÃO:

      No momento, temos apenas uma amostra parcial do conhecimento tradicional relacionado às plantas (percepção e uso) detido pelos entrevistados.

Palavras-chave: Comunidade Pesqueira, Plantas medicinais, Percepção e conhecimento.