62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL: ANÁLISE FUNCIONAL-TIPOLÓGICA E SEU ENSINO NO ÂMBITO DE SEGUNDA LÍNGUA
Eugenia Magnolia da Silva Fernandes 1, 2
Dioney Moreira Gomes 1, 2
1. Universidade de Brasília
2. Programa de Pós-Graduação em Linguística
INTRODUÇÃO:
As expressões idiomáticas são mais uma evidência do caráter dinâmico das línguas. O tratamento desse fenômeno neste trabalho conta com conceitos funcionais-tipológicos primordiais, que envolvem nossa análise linguística. Estudar as línguas humanas como instrumentos culturais e sociais de comunicação e interação traz à pesquisa linguística o reconhecimento do papel da pragmática, parte da ciência linguística interessada em saber como funcionam as línguas de maneira corrente e real, como são dadas ênfases discursivas, evidenciando um caráter não-autônomo da linguagem. Para tratar da análise linguística de expressões idiomáticas, trabalhamos sob as teorias de continuum de lexicalização: criação de itens lexicais resultantes da junção de outros itens lexicais (cf. Brinton e Traugott 2005). Estes itens sofrem alterações semânticas, à medida que há a formação de um conteúdo e alterações de categorias. A noção de continuum de lexicalização permitiu que durante a análise das expressões idiomáticas fosse visível o nível de lexicalização de cada uma. A pesquisa também permeou as distinções de conceitos entre lexicalização, gramaticalização e fraseologia. A análise do comportamento das expressões idiomáticas permitiu a identificação de protótipos. O membro de um sistema que carrega majoritariamente propriedades e características de um grupo ou categoria é chamado de protótipo. Os protótipos de expressões idiomáticas foram identificados pelo comportamento do fenômeno na análise de continuum. Dessa forma, os grupos de expressões idiomáticas com manifestações semelhantes constituiram uma tipologia voltada para o ensino de português do Brasil como segunda língua. Um levantamento bibliográfico evidenciou que vários pesquisadores buscaram caminhos para estudo de EIs, propondo, inclusive, tipologias (Lima Aragão, 1988; Ludovici ,1989; Strehler, 2002; Tagnin ,1989,2005; Roncolatto, 2001; Succi, 2006 e Gonzalez, 2006) e contrastes com outras línguas (Ortiz, 2001; Xatara, 1997). Mas não havia ainda nas pesquisas da área uma aplicação de tipologias propostas sob a ótica funcional-tipológica. Esperamos alimentar, de modo apropriado, a produção de material didático para o ensino de expressões idiomáticas do português brasileiro como segunda língua.
METODOLOGIA:
A pesquisa tem cunho tanto quantitativo, ao trazer um levantamento das expressões idiomáticas, quanto qualitativo, ao descrever o funcionamento dessas expressões. O trabalho teve início com um levantamento bibliográfico consistente das pesquisas existentes sobre Expressões Idiomáticas na área de lexicologia, lexicografia e análise linguística funcional-tipológica para haver uma identificação das possíveis lacunas. Esse levantamento bibliográfico foi feito por investigações primeiramente em materiais didáticos de PBSL, em dicionários fraseológicos, literatura sobre EIs, artigos, teses e dissertações e gramáticas tradicionais de língua portuguesa, por serem também utilizadas pelos sujeitos envolvidos na pesquisa para conhecimento das manifestações formais de língua. Como todo estudo proposto é de cunho funcional-tipológico, houve também uma revisão bibliográfica dessa literatura, havendo assim fonte de insumo significativa para a análise funcional e tipológica proposta. Os sujeitos envolvidos na pesquisa são desde os alunos que motivaram esta iniciativa até os investigadores e colaboradores já existentes na área. Haverá também uma coleta de dados por meio de questionários abertos e fechados com aprendizes de português como segunda língua em contexto de imersão: alunos matriculados formalmente no Programa de Ensino e Pesquisa em Português para Falantes de Outras Línguas (PEPPFOL) e aprendizes estrangeiros que buscam o conhecimento da língua portuguesa informalmente, como moradores de embaixadas. Após o levantamento do corpus, as expressões coletadas foram analisadas de acordo com as propostas dos objetivos específicos, gerando, posteriormente, as aplicações para o ensino de português do Brasil como segunda língua.
RESULTADOS:
As reflexões teóricas e análise do corpus de pesquisa permitiram a criação de um modelo de análise para cada expressão: o comportamento de expressões idiomáticas nos planos formal (nível de fixidez/mudança de ordem, flexão/derivação e combinação com modificadores), semântico (significação não-literal) e funcional/pragmático. Exemplificamos a análise que fizemos com as expressões "pedra no sapato" e "segurar vela" (ressaltamos que a aparição do símbolo "?" indica que a configuração do teste não é aceitável pragmaticamente): - Nível de fixidez/mudança de ordem: no sapato, pedra(?) vela segurar (?) - Flexão/Derivação: pedras nos sapatos, pedrinhas nos sapatos, pedras nos sapatinhos (?) segurou vela, vai segurar vela, segurando vela; - Combinação com modificadores: pedra grande no sapato, muitas pedras no sapato segurar várias velas(?), segurar vela grande (?). Evidenciou-se que há expressões mais lexicalizadas, como "pedra no sapato", de cunho nominal, e expressões menos lexicalizadas, como "segurar vela". As afirmações e classificações foram feitas a partir dos testes individuais com as expressões e manifestações no continuum. Vejamos, como exemplo, duas expressões idiomáticas que evidenciam o caráter dúbio entre itens lexicais e frases que o fenômeno pode trazer: "lágrimas de crocodilo" e "ter o olho maior que a barriga": uma expressão tipicamente nominal, trilhando o caminho da lexicalização e outra que conta com um componente verbal, evidenciando a possibilidade de inserção de itens, flexão e outras modificações. Contamos com o mesmo fenômeno, mas com características diferenciadas. Vejamos também os casos de "fazer gato e sapato de alguém", "sangue de barata" e "Maria vai com as outras": respectivamente há uma expressão idiomática que contém um verbo e constituintes também nominais "gato e sapato", uma expressão unicamente nominal e outra que, por mais que tenha um verbo em sua constituição, está tão cristalizada pelo que possui caráter mais nominal que verbal. Portanto, a heterogeneidade dessas expressões abriu caminho para o levantamento teórico funcional-tipológico que engloba conceitos como continuum, lexicalização, protótipo e iconicidade, analisando assim a estrutura dessas expressões e seus contextos de manifestação. Além do nível de gramaticalização/lexicalização dessas expressões, foram analisadas suas regularidades de formação, a possível presença de oposição de gênero na pragmática, com expressões utilizadas majoritariamente por homens ou mulheres e, ainda, um confronto entre a visão sociolinguística e as perspectivas da gramática tradicional: por que não há um enfoque considerável do fenômeno linguístico nas publicações que buscam padronizar a língua?
CONCLUSÃO:
Por atuarem como construções frásticas necessariamente pragmáticas, os aprendizes de português como segunda língua precisam de um apoio específico para expressões idiomáticas, já que os materiais disponíveis atualmente no mercado não atendem completamente aos seus anseios com relação a essas expressões. Os materiais didáticos de PBSL contam com uma produção restrita e, por isso, em sala de aula o professor não tem contato com aqueles materiais que mais satisfazem os anseios dos alunos. As EIs não são abordadas de maneira adequada nas publicações de PBSL: raramente são citadas e exemplificadas e, quando aparecem, estão majoritariamente em materiais voltados para o público jovem. Dessa forma, o professor recorre a outras fontes de insumo para explicar o fenômeno aos alunos. Esta lacuna é evidente na observação dos livros didáticos mais utilizados para esta finalidade: Avenida Brasil (1994), Tudo Bem (2001) e Bem-Vindo (2006). A análise e sistematização de EIs poderá resultou em apoio para os autores de livros didáticos e professores de português com segunda língua, proporcionando a inclusão dos resultados em materiais futuros e de modelos de ensino que já podem servir como insumo em sala de aula.
Instituição de Fomento: CAPES
Palavras-chave: Expressões Idiomáticas, Funcionalismo-tipológico, Ensino de português do Brasil como segunda língua.