62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia
AQUELES QUE INVENTAM/ENCONTRAM A SI E AO DUPLO NO DEVANEIO: A AUTO-IDENTIDADE DOS ATORES NÃO-PROFISSIONAIS DO FILME MUTUM
Ednalda Soares 1
Josimey Costa da Silva 1
1. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grand
INTRODUÇÃO:
A auto-identidade discutida aqui é a dos sujeitos do verbo maravilhar-se. Maravilhamento natural ao devaneio poético como tonalidade de estado de indivíduos que narram sua trajetória de vida - os atores não-profissionais do filme Mutum. Sobre esses atores interessa pensar a auto-identidade a partir de alguns instantes do processo de apropriação simbólica de si, na experiência de assistirem a eles próprios, em cores e tamanhos naturais, em imagens coloridas e que se movimentam, que a projeção desse filme possa proporcionar. Para isso mobilizamos a abordagem da fenomenologia da imaginação, a ideia de reflexibilidade do sujeito, o cinema como lugar de participações afetivas. Essas participações, por meio das projeções-identificações, leva o espectador a conferir sentidos, esses vinculados às cenas ou a significados abstratos da vida, ao contexto exterior ao enredo da história ali contada, pois o devaneio ventila a interpretação e criação icônico-simbólica, que realizamos como seres de um mundo social e cósmico. Assim, acreditamos ser alcançada uma auto-identidade, de natureza móvel e mesmo instantânea, que "é o eu compreendido reflexivamente pela pessoa em termos de sua biografia" (Anthony Giddens, 2002, p. 54).
METODOLOGIA:
O filme Mutum se passa num sertão cercado de sentidos, onde o sonho parece fluir da mágica dos sons da natureza e conta a história do menino Tiago, que vive em Mutum, um lugar isolado, sem muitas estradas de acesso e sem energia elétrica. Partindo das realidades fílmicas da narrativa de Mutum, relacionamos a ideia de confiança básica, que segundo GIDDENS (2002) é "o suporte emocional de uma carapaça defensiva [...] que todos os indivíduos normais carregam como meio de prosseguir com os assuntos cotidianos (p. 43), a noção de eu ideal - que "forma um canal de aspirações positivas em termos das quais a narrativa da auto-identidade é produzida" (p. 68) e por fim, o método fenomenológico de Gaston BACHELARD (1996) constituído a partir do par repercussão/ressonância, que "opera quando o maravilhamento proporcionado por uma imagem poética potencializa, na unidade do ser maravilhado, o aprofundamento de sua própria existência, gerando a repercussão. Esse aprofundamento, incognoscível em sua integridade, leva o devaneador ao desejo e à alegria múltipla de falar, atingindo, desse modo, as ressonâncias (FRONCKOWIAK e RICHTER, 2005, p. 2).
RESULTADOS:
Ao realizar encontros para exibição de Mutum com os atores não-profissinais, acreditamos que esses espectadores irão apropriar-se de si próprio como signo cultural inserido no "complexo fenômeno sociocultural, um conjunto multidimensional que compreende importantes aspectos econômicos, financeiros, estéticos, tecnológicos" (COSTA, 2008, p. 36) que é o cinema. Como a auto-identidade está ligada, também, a apropriação simbólica de si, entendemos que por ser móvel, ela possa se desenvolver na oscilação da tríada: apropriação - desapropriação - não apropriação simbólica de si. Nisso estaria o que BOURDIEU (2001) chama de "maneiras duráveis de ser", com uma duração que poder ser a do devaneio ou a do habitus operando como "esse poder-ser" (p. 265-266). O eu é o si como o duplo, a presença ou ausência de outro-eu. O tornar próprio aqui está ligado ao imaginário cinematográfico, que pressupõe um processo de identificação, mas também de diferenciação. A comunicação inerente ao ato de partilhar esse imaginário também comporta elementos significativos, por meio dos quais os atores não-profissionais de Mutum criam vínculos constituidores de outros sujeitos que estão fora da narrativa presente na película.
CONCLUSÃO:
A participação afetiva estrutura o cinema e, por meio das projeções-identificações, abrem-se fissuras que levam o espectador a conferir sentidos, esses vinculados às cenas ou a significados abstratos da vida, ao contexto exterior ao enredo da história ali contada. Se a reflexividade é o "sentimento de uma época", da época moderna, fruto do individualismo ocidental como quer GIDDENS (2002), neste trabalho, procuramos tratar a auto-identidade do eu de acordo com a fenomenologia da imaginação estudada por Gaston Bachelard. Com isso, vislumbramos aspectos e possibilidades desse processo de criação, por meio das associações simbólicas, de um eu fraturado e fragmentado em múltiplos devaneios. Com tal inquietação, pude compreender um pouco a sociedade por meio do cinema e o cinema por meio da sociedade. E ainda pergunto: "[...] que mitos o cinema alimenta, quais os enredos sociais que ajuda a desenvolver e que tipo de ser humano auxilia a engendrar"? (SILVA, 1994, p. 86). E se os jogos sociais implicados no cinema, em se fazer um filme como ator, não fez cada um desses atores "sair da indiferença"? A participação no filme Mutum, não operou essa ocupação numa missão social de "contar para os outros", de encontrar essa "justificativa continuada para existir"? (BOURDIEU, 2001).
Instituição de Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
Palavras-chave: Apropriação de si, Auto-identidade, Devaneio poético .