62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 3. Antropologia das Populações Afro-Brasileiras
AS IDENTIDADES NEGRAS E AS REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NEGRO EM RAÇA BRASIL
Leandro José dos Santos 1
Dagoberto José Fonseca 1, 2
1. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, FCL/Ar - Unesp
2. Prof. Dr. / Orientador
INTRODUÇÃO:

Pretendemos demonstrar como se manifesta a capacidade crítica e reflexiva das mulheres negras destinatárias dos bens simbólicos veiculados na revista Raça Brasil. Resumidamente, nossos objetivos consistem em analisar como a revista Raça Brasil, sendo um bem cultural, atua simbolicamente para classificar as relações sociais elaboradas no seu interior e quais são os mecanismos de identificação entre as leitoras e a revista. Discutimos como a idéia de representação é utilizada, tanto pelos produtores quanto pelos consumidores da revista - neste caso especial, consumidoras -, para analisar a forma como as identidades dessas mulheres são [re]elaboradas pelos sistemas simbólicos criados e mediados pela revista. A ideia de que nas interações mediadas os receptores seriam uma tábua rasa sem criatividade e imaginação é abandonada. Deixamos essas leitoras falarem sobre as suas percepções, sentimentos, interações e os processos que as conectam a essa revista. Aqui essas mulheres ganham vez e voz e têm condições de falar. Acolhemos o emaranhado de imagens e representações simbólicas produzidas por elas e as alinhavamos numa narrativa com início, meio e fim.

 

METODOLOGIA:

Distinguimos três aspectos importantes aos meios de comunicação: a produção e difusão das formas simbólicas; a construção da mensagem nos meios de comunicação; e a recepção e apropriação das mensagens produzidas por Raça Brasil. Num primeiro estágio da pesquisa realizamos uma análise sócio-histórica sobre a imprensa negra, estudamos o projeto de identidade de Raça Brasil, bem como procedemos a uma pesquisa etnográfica com as leitoras daquela revista. Da mesma maneira, tentamos compreender o emaranhado de representações envolvidas no processo de identificação dessas mulheres negras com a revista, observando-se, sobremaneira, os campos de interação nos quais essas leitoras estavam inseridas. Em outro momento analisamos a maneira como as formas simbólicas mediadas por Raça Brasil são agrupadas para produzir imagens sobre a mulher negra brasileira. A leitura e interpretação da revista também constituíram um passo importante nessa fase do estudo, pois permitiram compreendermos alguns dos significados construídos pela revista em torno das mulheres negras brasileiras, bem como a percepção das leitoras sobre tais imagens.

 

RESULTADOS:

Raça Brasil sempre quis ser o espelho onde a imagem da mulher negra fosse refletida. Mas, segundo as leitoras, o projeto editorial da revista falhou, pois o periódico não conseguiu acompanhar as transformações pelas quais o país tem passado, muito menos as mudanças sentidas pela população negra. Mesmo assim, existe uma identificação dessas mulheres com a revista. A beleza negra e as histórias de vida mostradas na revista é algo que desperta a atenção dessas leitoras, visto que muitas dessas mulheres já passaram por situações de discriminação racial e narrativas semelhantes. No entanto, são muitas as críticas em relação às características físicas e aos estilos de vida negros mostrados na revista. Segundo as leitoras, a revista tem mostrado uma mulher negra que parece não existir na vida real. Para muitas delas, Raça Brasil é uma revista que serve apenas para ser lida em lojas de produtos de beleza ou em salões de cabeleireiro. Para essas leitoras, a revista acabou virando uma revista de celebridades, a exemplo de muitas revistas que existe no mercado editorial. Do ponto de vista político, as afro-brasileiras avaliam que Raça Brasil é uma revista muito tímida em relação à negritude. Além disso, o fato de apenas a região sudeste ser retratada na revista também é muito criticado.

 

 

CONCLUSÃO:

A despeito das críticas, as leitoras de Raça Brasil acreditam que a revista possui um papel importante tanto para os negros quanto para os não negros. Segundo a perspectiva dessas mulheres negras, a revista é o único produto com circulação nacional que divulga a cultura e a beleza negra. Isso tem contribuído de forma positiva tanto para valorização da negritude quanto para a criação de produtos específicos para o cabelo e a pele negra. Muitas leitoras se vêem representadas na revista, mas tantas outras não pensam o mesmo, em virtude de a revista não publicar elementos simbólicos da realidade sócio-cultural de todo o país. Por outro lado, segundo as nossas interlocutoras, a revista mostra outra perspectiva para o negro. Ela mostra outra imagem do negro. A revista estimula os negros brasileiros a lutarem por seus direitos. Para essas leitoras, a revista pode combater os estigmas e estereótipos que pesam tanto sobre a mulher quanto sobre o homem negros. Mas há ocasiões em que tais estereótipos acabam sendo reforçados pela própria revista. Mas ainda é consenso entre essas leitoras que a revista ainda seja a dona legítima do título de "a revista do negro brasileiro" tendo em vista que Raça Brasil é a única revista negra com circulação nacional.

 

Instituição de Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
Palavras-chave: Revista Raça Brasil, Mulher Negra, Identidades Negras.