62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
FELICIDADE CLANDESTINA: DO CONTO LITERÁRIO AO CURTA-METRAGEM
Diogo dos Santos Souza 1
Susana Souto Silva 1, 2
1. Universidade Federal de Alagoas - Faculdade de Letras
2. Profa. Dra. / Orientadora
INTRODUÇÃO:
O trânsito que envolve a passagem do texto literário para o cinema é um processo que abarca, a princípio, o questionamento se a adaptação fílmica precisa ser fiel à obra que lhe deu origem e também até que ponto essa fidelidade tem limites e quais são. Leitores de um conto, por exemplo, assistirão a sua adaptação para o cinema com expectativas já formadas, segundo a leitura do texto impresso. Por meio dessa reflexão, é possível observar a dimensão intertextual que se estabelece, muitas vezes, entre o dizer literário e do dizer fílmico como um fato que permite estabelecer relações entre essas duas artes, entre essas linguagens. O objetivo do presente trabalho é analisar algumas possibilidades de "adaptação", discutida aqui como um complexo processo, que inclusive coloca em xeque a pertinência dessa palavra/prática, no contexto da transposição para a tela do conto Felicidade Clandestina, publicado no livro homônimo em 1971, de Clarice Lispector. Para essa análise, serão utilizados dois curtas-metragem do conto mencionado: um considerado fiel e outro considerado infiel ao texto de origem de acordo com a perspectiva que seguiu o presente estudo. Ambas as produções estão disponíveis na Internet. A especificidade da linguagem cinematográfica, iluminação, trilha sonora e imagem, por exemplo, é observada lado a lado com a construção de elementos constitutivos do conto literário.
METODOLOGIA:
A metodologia empregada para realização desse trabalho foi qualitativa, baseada principalmente em pesquisa bibliográfica, buscando informações sobre o sentido da palavra adaptar, na tentativa de se chegar a um conceito apropriado relativo a discussão proposta. A partir da escolha do objeto de estudo, conto literário e curta-metragem, utilizou-se como referência de leitura textos sobre Teoria da Literatura, em especial Teoria do Conto, e também Teoria do Cinema, já, então, procurando relacionar de modo comparativo as características semelhantes e dissonantes de cada um desses campos. A partir do estudo de caráter analítico-interpretativo, as textualidades literária e fílmica são observadas de modo comparativo no que concerne ao referido tema: a adaptação. Com isso, pretende-se mostrar que o adaptar fílmico não é uma atividade restritiva, e sim uma nova leitura que não possui obrigatoriedade de seguir um viés específico, previamente determinado. Como a linha de pesquisa a qual esse trabalho é direcionado a perspectiva de estudos interartes, o desenvolvimento das reflexões aqui colocadas caminham constantemente na procura de apresentar o elo existente entre o texto que está no papel e o texto que está na tela.
RESULTADOS:
No percurso do texto literário à tela, o presente trabalho investigou duas possibilidades de adaptação fílmica do conto Felicidade Clandestina. De modo geral, o texto-fonte, em uma passagem rápida pela análise narrativa, possui como episódio da história a busca por Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, pela narradora protagonista, que é a todo o momento impedida de forma cruel a adquirir a obra pela antagonista. A leitura é um ato destacado como uma experiência única do indivíduo, criadora de um sentimento de felicidade estranhamente clandestino. O curta-metragem I, que foi realizado por Marcelo Pierri Júnior, em 2008, mantém tanto o título quanto a história em consonância com o texto literário. As cores do filme, durante alguns pontos da narração, oscilam entre imagens em tom colorido e imagens em tom preto e branco. A busca incessante pelo livro é retratada no espaço temporal pela mudança do figurino da personagem, fato que confirma a indefinição do tempo que há no conto. Ainda como mais uma ratificação em relação ao texto de origem, a leitura é tratada como algo extremamente pessoal. O título do conto também continua o mesmo no curta-metragem II, que foi realizado por Bruno Moura, em 2006, porém a história não é estritamente fiel ao texto clariceano. Nessa versão, o livro de Monteiro Lobato é substituído por uma revista erótica. Uma situação penosa e difícil é apresentada assim como ocorre no conto, só que agora a respeito da aquisição da revista. Observar-se que essa adaptação compreende a experiência da leitura como um exercício de transformação, que se realiza transfigurando a matéria lida e atualizando-a com elementos do cotidiano. Ao invés de um clássico da literatura infanto-juvenil brasileira, tem-se um objeto de consumo mais comum, vendido em bancas de revista para um público específico: as revistas pornográficas.
CONCLUSÃO:
A literatura tem como matéria-prima o signo lingüístico, oral e escrito. Ela lida com a construção de elementos simbólicos a partir da articulação e combinação de palavras, recuperadas, muitas vezes, em aspectos minimizados na comunicação cotidiana, como a sua plasticidade e sonoridade. Na narrativa literária, a palavra forma todo o texto; na narrativa fílmica, a palavra é apenas um - às vezes, nem sequer é utilizado - entre os recursos operados. No cinema, estamos em outro campo de significação. Ali, temos a possibilidade, não o imperativo, de usarmos palavras, mas não é apenas nem principalmente na palavra que a obra cinematográfica se sustenta. Cinema é, antes de qualquer coisa, imagem em movimento. As duas realizações fílmicas atuam nos modos de compreender a relação da literatura com os meios audiovisuais: uma tenta manter-se integral e fiel ao conto, o que é impossível, já que os suportes e as linguagens exigem mudanças. A adaptação que se pretende mais livre opera atualizações e modificações bastante significativas: em especial a substituição do livro, que é o objeto de desejo da personagem leitora protagonista e narradora do conto. Ao trocar o livro pela revista erótica, acentua-se uma proximidade entre a leitura e o desejo sexual, que é destacada no final do conto, quando escreve: Não era mais uma menina com o seu livro: era uma mulher com o seu amante (Felicidade Clandestina, 1971, p. 12). Filmes e conto nos fazem refletir sobre os complexos processos de leitura que se estabelecem no conto (com a presença de uma personagem leitora e do livro de Lobato, principalmente) e nos dois curtas aqui analisados de modo inicial, como resultados de leitura do conto clariceano.
Instituição de Fomento: Programa de Educação Tutorial
Palavras-chave: Literatura, Narrativas Curtas, Cinema.