62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 5. Antropologia Urbana
UMA IGREJA "CELEIRO DE TALENTOS"
Camila Oliveira Nascimento 1
Caetana Maria Damasceno 1
1. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
INTRODUÇÃO:
Este ensaio , fruto de uma abordagem etnográfica iniciada em 2008, trata da análise dos possíveis significados atribuídos por alguns membros de uma Orquestra Sinfônica da Assembléia de Deus (OSAD) de um Município das Baixada Fluminense / RJ, às formas de inserção no mercado de bens simbólicos e culturais que, segundo o senso comum (douto ou não), seria construído através da aquisição de competências peculiares ao ensino da chamada música "clássica".
METODOLOGIA:
Para um dos membros da comunidade de fé não vinculado à OSAD, a inserção nesta instituição significa garantir uma carreira de "sucesso": um espaço no mundo social (dinheiro, espaço no mercado de trabalho e no mercado de bens simbólicos). Este membro é um dos mediadores da nossa pesquisa, desde 2004 e já esteve à frente de uma das congregações ligadas à Igreja matriz, mesmo sendo evangelista, não tendo, portanto, alcançado ainda a condição de pastor. Para refletirmos sobre o uso do senso comum (douto ou não), BOURDIEU (2004) sugere: "Tomar para objeto o senso comum e a experiência inicial do mundo social, como adesão não tética a um mundo que não está constituído em objeto perante a um sujeito, é uma maneira de evitar a ser apanhado no objeto, de transportar para a ciência tudo o que torna possível a experiência dóxica do mundo social, quer dizer, não só a construção pré construída deste mundo, mas também os esquemas cognitivos que estão na origem da construção desta imagem." BOURDIEU (2004, p. 43)
RESULTADOS:
A partir de 2008, recomeçamos a acompanhar sistematicamente algumas situações em que atores sociais ligados à OSAD estiveram envolvidos, principalmente quando alguns desses músicos passaram a se apresentar na Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem (OSB-Jovem) na cidade do Rio de Janeiro.Como já analisado em trabalhos anteriores , as atividades desenvolvidas pela OSAD permitem fortalecer e legitimar as relações entre a própria AD e a "comunidade" situada dentro e fora de seus muros. No que diz respeito às competências musicais, a AD institucionalizou, em 2009, o espaço destinado ao ensino de música, que passou a se chamar Conservatório Opus de Artes Sacras. O Opus oferece à comunidade religiosa e não religiosa, cursos de prática de instrumentos musicais , teoria musical e regência. Vale lembrar que dentre os professores do Conservatório estão o regente da OSAD, maestro Paulo César Gonçalves, Bacharel em clarineta e regência pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e seu filho Paulo Gabriel Gonçalves, spalla da OSAD, atualmente cursando o segundo ano do bacharelado em violino pela mesma universidade. Retomei, então descrições etnográficas "densas" (GEERTZ, 1989) anteriores que me auxiliaram no sentido de apreender outras redes de relações dentro da AD, justamente quando recentemente, em conversa informal com um dos mediadores do nosso trabalho de campo, tomei conhecimento de que seu filho havia ingressado na Opus. Ele inseriu seu filho mais novo na rede de relações construídas pelo universo da musica "clássica", agora institucionalizado no Opus: "assim", disse ele "eu posso dar um futuro promissor ao meu filho". Neste sentido, ele "aconselhou" seu filho (que tocava bateria nos cultos ministrados por seu próprio pai), a ingressar "nas aulas de algum instrumento de sopro". O instrumento escolhido pelo "baterista" foi o fagote."Este instrumento - segundo ele - é mais clássico e erudito e é importante numa orquestra. O aprendizado do fagote instrumento pouco usual, até mesmo pouco conhecido, abriria espaço na construção de uma carreira musical "sólida" (coisa que o próprio pai sonhou para si mesmo, mas "não pode realizar"). O exemplo de um sobrinho que fez parte da OSAD e posteriormente se engajou na Banda da Aeronáutica, foi também lembrado, além de outros, apontando para o fato de que a OSAD adquiriu tradição na inserção de seus músicos em grupos musicais de diversas corporações militares. Ele destacou, então, a oportunidade que a AD oferece para sua comunidade através da música, abrindo o caminho para seus músicos se prepararem para estudar "nas melhores escolas" como a Escola de Música Villa-Lobos e a da UFRJ. Foi graças aos laços de "amizade" com o Pastor-Presidente e com o maestro regente que, nosso mediador (evangelista que brevemente será consagrado pastor), beneficiou-se da sua inserção nessa rede para solicitar que o maestro ministrasse aulas de teoria musical a seu filho, agilizando, assim, as habilidades musicais deste, iniciando-o na carreira que poderá levá-lo do Opus à participação na OSAD e "quem sabe, desta à OSB-Jovem". O esforço do "garoto" levou o maestro regente a adquirir o primeiro fagote da OSAD. Neste sentido, é preciso lembrar que a OSAD é o espaço fundamental, nesta comunidade de fé, que permitiu a cinco componentes concorrerem para obtenção de bolsas na conceituada OSB-Jovem. Muitos acumulam, hoje, funções de professores no Opus, mesmo estando no início do curso de graduação. Todos têm o apoio da AD, já que há o interesse do retorno desses alunos que estão adquirindo capital fora do espaço "mundano" para o espaço religioso, funcionando como uma espécie de troca.
CONCLUSÃO:
Uma vez iniciado o processo de aquisição de competências musicais "clássicas", por parte do filho, graças ao acesso à rede institucionalizada pelo Opus, não apenas o neófito passa a adquirir status na comunidade de fé. A etnografia explicitou que também o pai do "jovem baterista" ampliou os espaços de sociabilidade na própria hierarquia eclesial, dando visibilidade a um certo capital cultural e simbólico.
Instituição de Fomento: FAPERJ
Palavras-chave: pentecostalismo, capital cultural e simbólico, sociabilidades.