62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada
TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO DISCURSO DO MEB: UMA ANÁLISE DA CARTILHA "VIVER É LUTAR"
Edivânia Duarte Rodrigues 1
Adriano Lopes Gomes 2
1. Departamento de Letras/ Pós-Graduação em Estudos da Linguagem-PPGEL/UFRN
2. Prof. Dr./Orientador-Departamento de Letras-PPGEL-UFRN
INTRODUÇÃO:
Este artigo faz uma análise discursivo-argumentativa da cartilha "Viver é Lutar", enquanto material didático-pedagógico do Movimento de Educação de Base - MEB, na década de 1960. O MEB levou educação de base, através do rádio, a jovens e adultos do Brasil, pautando a alfabetização na conscientização do aprendiz. A cartilha "Viver é lutar" apresenta textos intitulados de lição, que carregam em si discursos ideológicos com o propósito de discutir os direitos e deveres do cidadão, instigando o leitor a pensar em questões que o afligia no meio social, contribuindo para torná-lo consciente de si, de seu meio e das possibilidades de mudança. Assim sendo, analisamos as técnicas argumentativas das lições da cartilha, utilizadas para demarcar posições e promover o convencimento e/ou a persuasão dos alunos às teses apresentadas, como também relacionamos os discursos às suas condições de produção e aos efeitos de sentido sugeridos. Esse gesto de leitura contribui para a memória histórica do MEB e possibilita a reflexão sobre a função argumentativa da cartilha, vendo-a, principalmente, como um instrumento discursivo de consequências políticas e sociais capaz de incidir na formação de sujeitos conscientes e ativos na busca por mudanças na estrutura histórica e social do Brasil.
METODOLOGIA:
A pesquisa adota o caráter documental, de natureza qualitativa com base interpretativista, enquadrada no campo de investigação da Linguística Aplicada, visto que faz o estudo da linguagem em uso nas práticas sociais, dentro de contextos específicos. Assim sendo, adotamos a cartilha "Viver é Lutar" como corpus e empreendemos uma análise fundamentada na Teoria da Argumentação, na Análise de Discurso - AD, de linha Francesa, na concepção de Dialogismo proposto por Bakhtin e nos pressupostos de Educação Popular. Entendendo a AD como uma teoria de leitura que coloca em discussão o sujeito e seus discursos em uma perspectiva histórica da linguagem em que a atribuição dos sentidos não depende do código linguístico e sim de um complexo movimento entre a linguagem e a exterioridade. Portanto, as lições da cartilha são analisadas numa perspectiva discursiva e argumentativa, buscando evidenciar as técnicas de convencimento e/ou persuasão, adotadas para defender teses e alcançar a adesão do leitor. A nossa análise contempla também o Dialogismo presente em toda interação verbal, verificando a relação dialógica entre enunciador e destinatário nos discursos da cartilha, imbuídos pelos princípios da educação democrática e libertadora com vistas à promoção humana.
RESULTADOS:
A cartilha foi produzida num contexto de desejo de superação das estruturas sociais desiguais do Brasil, da busca de emancipação das classes marginalizadas, no tocante ao desenvolvimento intelectual, à consciência crítica, à tomada de atitudes e à reivindicação de participação política. Nesse sentido, os discursos presentes nesse livro de leitura estão organizados em três grandes propósitos. O primeiro quer promover a conscientização do leitor a partir de argumentos quase-lógicos e da modalidade interrogativa, questionando e problematizando situações do meio social do aprendiz, convencendo-o a questionar a realidade de miséria a qual estava submetido. O segundo propósito visa incidir na formação de atitude do leitor, incitando-o a tomar atitudes diante dessa realidade já conhecida, através de técnicas argumentativas, tais como: valores, exemplos e a regra de justiça. O terceiro objetivo quer instrumentalizar o aprendiz a agir sobre a realidade, pressupondo um auditório já convencido, o discurso tenta persuadi-lo a colocar em prática as ideias, atuando no meio social. Para tanto, usa-se argumentos do desperdício e da superação. Assim, as lições da cartilha defendem posições relacionadas à tese principal: "Agir para transformar".
CONCLUSÃO:
Entendemos que a educação popular desenvolvida pelo MEB questionou e negou a realidade injusta vivida pelos alunos, especialmente, os camponeses, falando de um lugar social que entende e representa a classe trabalhadora. Assim, os discursos da cartilha "Viver é Lutar" defendiam a formação de sujeitos livres e ativos que unidos pudessem conduzir à libertação do povo. As técnicas argumentativas não atuaram sozinhas, visto que o momento histórico de desigualdades sociais que inundava o Brasil na década de 1960 criava na classe marginalizada o desejo de justiça, tornando-os mais susceptíveis a adesão às teses apresentadas nas lições. Consideramos que a argumentação empreendida na cartilha seguiu uma crescente que parte do convencimento (logos) para a persuasão (pathos), de forma a costurar os discursos e levar o aluno da reflexão a ação. A produção dos discursos privilegiou o caráter dialógico e a postura ativa do leitor, presumindo um interlocutor a ser afetado, mas deixando para o aluno o poder de aprovar ou refutar as teses, além de permitir ao aprendiz tirar suas próprias conclusões por meio de questionamentos em aberto. Desse modo, as técnicas argumentativas incitaram o auditório a lutar para transformar a realidade, envolvidos pelo lema: "Viver é Lutar".
Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Palavras-chave: Argumentação, Análise do Discurso, Cartilha "Viver é Lutar".