62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 8. Psicologia do Trabalho e Organizacional
OS TRAÇOS CONSTITUINTES DA QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO NA PERSPECTIVA DOS TRABALHADORES
Mário César Ferreira 1
Rodrigo Rezende Ferreira 1
Carla Antloga 2
Virgínia Bergamaschi 2
1. Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Instituto de Psicologia, UnB
2. Grupo de Estudos em Ergonomia Aplicada ao Setor Público (ErgoPublic)
INTRODUÇÃO:
O objetivo da pesquisa consistiu em conhecer quais são os principais elementos constituintes do conceito de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) sob a ótica dos trabalhadores de um órgão público brasileiro. Em face das mudanças que se operam no mundo do trabalho e, sobretudo, de suas conseqüências negativas no âmbito das corporações, a questão da QVT tem sido objeto de crescente interesse de dirigentes, gestores e pesquisadores. Todavia, a produção bibliográfica sobre QVT na ótica dos trabalhadores é incipiente. A literatura e as práticas de QVT são fortemente caracterizadas por um enfoque de viés hegemônico que se caracteriza: focos no trabalhador como variável de ajustes e no assistencialismo; e (b) natureza paliativa não agindo sobre as causas do mal-estar no contexto de trabalho. O enfoque teórico-metodológico adotado na presente pesquisa se inscreve na Ergonomia da Atividade Aplicada à QVT e tem como perspectiva uma abordagem preventiva de viés contra-hegemônico. Tal abordagem tem como aspectos centrais: (a) indissociabilidade entre produtividade, bem-estar e compromisso social; (b) mudança do olhar sobre o trabalho; (c) visão antropocêntrica de gestão do trabalho; (d) cultura organizacional do bem-estar; e (e) sinergia organizacional focada em QVT.
METODOLOGIA:
A pesquisa ocorreu no âmbito de uma grande organização pública estadual ligada ao controle externo do Estado. Participaram 321 trabalhadores (44,4% do universo, 723); 53,4% eram do sexo masculino, 64,6% casados(as), 33,8% com nível superior, 45% tinham entre 41 e 50 anos de idade, 34% estavam alocados na área meio do órgão e 21,1% tinham entre 10 e 15 anos de trabalho na organização. O instrumento de coleta de dados foi o Inventário de Avaliação de Qualidade de Vida no Trabalho (IA_QVT, Alpha = 0,93), validado por Ferreira (2009). O inventário possui uma dimensão qualitativa e outra quantitativa. A parte quantitativa é constituída de 61 itens divididos em 5 fatores; a parte qualitativa, por sua vez, é composta por 4 perguntas abertas, entre elas aquela que serviu de base para a realização da presente pesquisa: "Na minha opinião, Qualidade de Vida no Trabalho é". O inventário esteve disponível em formato digital na intranet do órgão durante três semanas. A confidencialidade das respostas e da identidade dos respondentes foram garantidas por meio da distribuição de senhas aleatórias e individuais. Os dados qualitativos foram tratados com o uso do software francês Alceste (Analyse Lexicale par Contexte d'un Ensemble de Segments de Texte), desenvolvido por Max Reinert em 1990.
RESULTADOS:
Os resultados indicaram a existência de três núcleos estruturadores do discurso dos respondentes, expressando os principais elementos do conceito destes sobre Qualidade de Vida no Trabalho. Na ótica dos participantes, QVT é "Bem-Estar no Trabalho" (69% do discurso, 254 uce's), entendido como crucial para a manutenção da saúde, promoção de prazer no trabalho e como requisito fundamental para o bom desempenho e para a qualidade dos serviços prestados. O segundo núcleo estruturador se refere a "Reconhecimento, Oportunidades de Crescimento e Salário Justo" (24,86% do discurso, 92 uce's), denotando a importância de equidade salarial, desenvolvimento de competências, reconhecimento no trabalho e compatibilidade entre salário e carreira. A terceira categoria de conteúdo que expressa o conceito de QVT sob a ótica dos trabalhadores do órgão foi definida como "Felicidade no Trabalho" (6,49% do discurso, 24 uce's), entendida como sentir-se bem e satisfeito no trabalho, ter percepções de dever cumprido e desejo de ir trabalhar.
CONCLUSÃO:
A adoção do enfoque teórico-metodológico da Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho mostrou-se útil para a investigação do conceito de QVT de viés preventivo. Os resultados demonstraram que QVT, sob a ótica de quem trabalha, pouco ou nada tem a ver com o cardápio de atividades anti-estresse oferecido nas abordagens individualistas e assistencialistas. Foram delineadas bases empíricas de um conceito de Qualidade de Vida no Trabalho focado nas necessidades dos trabalhadores, uma vez que os resultados resgatam conteúdos ligados ao bem-estar, ao reconhecimento no trabalho, às oportunidades de crescimento, ao salário justo e à felicidade no trabalho. Em longo prazo, certamente o principal desafio dos dirigentes e gestores do órgão consiste em operacionalizar o conceito de QVT que os participantes deram visibilidade. Neste sentido, tanto a política quanto o programa de Qualidade de Vida no Trabalho (ações e atividades) devem ser veículos para a promoção dos eixos que a constituem.
Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Palavras-chave: ergonomia, qualidade de vida no trabalho, inventário de avaliação.