62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
RACHADOS E PERDIDOS: POESIA E TESTEMUNHO EM VERSOS DE GRUPO ESCOLAR    
Débora Racy Soares 1
1. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
INTRODUÇÃO:

Grupo Escolar (1974) é o segundo livro de poemas de Antônio Carlos Ferreira de Brito (1944-1987), mais conhecido por Cacaso, no universo cultural brasileiro da década de setenta. Publicado de forma independente - através da Frenesi, uma coleção carioca de poesia - em consonância com o espírito da chamada "geração marginal", Grupo Escolar pode ser lido como um livro-sintoma ou, antes, um livro-testemunho. De certa forma, seus versos revelam, através de determinados "extrumentos técnicos", os reversos de um país. Assim, trazem à tona uma outra versão - ou, como diz o poeta, a "verdadeira versão" - de um Brasil que passou à margem do discurso oficial. Escrito em uma época em que era preciso "resistir" aos "esquemas paralisantes", Grupo Escolar parte de versos "rachados e perdidos" para refletir sobre uma  vida "passada a limbo". O objetivo de nossa pesquisa, portanto, tem sido levado a cabo com a análise crítica dos versos de Grupo Escolar. Ao fazê-lo, também situamos este livro não só no conjunto da produção poética de Cacaso, mas também no de sua geração.

METODOLOGIA:

Dada a complexidade dos versos de Cacaso, certamente decorrente de sua formação intelectual sui generis, precisamos adotar uma metodologia interdisciplinar. Este procedimento, além de ser próprio à pesquisa em literatura, possibilita o enriquecimento das discussões, sem que se perca de vista nosso objetivo inicial. Portanto, a análise dos poemas de Grupo Escolar, embora esteja ancorada na teoria do testemunho - o que possibilita a articulação entre o histórico e o literário - também recebe contribuições de outras áreas do conhecimento, como a Psicanálise e a Filosofia.

RESULTADOS:

Grupo Escolar ocupa uma posição-chave dentro da trajetória poética de Cacaso, pois embora seja seu segundo livro, é o primeiro a ser publicado de forma independente, à margem do sistema editorial. Além de apresentar uma mudança de paradigma poético, Grupo Escolar abre caminho para a posterior publicação independente dos demais livros. Nele, Cacaso assume uma postura poética - e política - que viria a influenciar toda a sua produção seguinte. À diferença do livro inaugural - A Palavra Cerzida (1967) - Cacaso concebe agora a palavra poética como "química perversa", como uma espécie de phármakon, capaz de "desvelar" e de "repor" em "tempos de alquimia". A partir da perspectiva da metodologia adotada podemos afirmar que há certo teor testemunhal latente nos versos de Grupo Escolar. Isto significa dizer que esta escritura poética pode ser lida como "grafia da memória" ou "historiografia baseada na memória", de acordo com Seligmann-Silva (2003). Assim posto, estes versos problematizam os limites e as possibilidades da representação poética, enfrentando gaps da memória que reverberam na forma alegórica e fragmentária dos poemas. Ademais, movimentam duas instâncias fundamentais - a memória e o esquecimento - que, em relação dialética, sinalizam a falsa aparência da totalidade.   

 

CONCLUSÃO:

Grupo Escolar exige, já na primeira lição - o livro é dividido em quatro lições - a re-alfabetização do sujeito lírico. Ao declinar sua cartilha, de acordo com o enviesado "estilo de época", mais condizente com "tempos de alquimia", este sujeito poético vai re-conhecendo e re-descobrindo o Brasil. Pari passu à redescoberta, certos acontecimentos, silenciados pelo discurso oficial dos anos setenta, vão sendo desvelados. Assim, lidando com as aporias da memória e do esquecimento e ancorado em uma espécie de ética poética, Grupo Escolar instaura - diante dos aparatos da violência institucional e pour cause - a necessidade inalienável do dizer.

Instituição de Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
Palavras-chave: Grupo Escolar, 1974, Cacaso .