62ª Reunião Anual da SBPC
B. Engenharias - 1. Engenharia - 2. Engenharia Biomédica
ANÁLISE QUALITATIVA DOS VAPORES PRODUZIDOS POR ELETROCAUTÉRIO EM CIRURGIA CESARIANA.
Clovis de Medeiros Bezerra 1
Ricardo Ney Cobucci 2
1. Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
2. Curso de Medicina, Universidade Potiguar
INTRODUÇÃO:
O eletrocautério, também conhecido por bisturi elétrico, é um instrumento usado mundialmente nos procedimentos cirúrgicos para cortar, coagular, vaporizar e remover tecidos. Quando entra em contato com as células, estas são aquecidas até sua temperatura de ebulição e ou combustão; suas membranas se rompem e finas partículas se dispersam. Este conjunto constituído por vapores, gases, e partículas celulares no ambiente, caso de cirurgias abertas, ou dentro do corpo do paciente nas cirurgias laparoscópicas, denomina-se fumaça cirúrgica - FC. Esta FC é inalada freqüentemente pelos profissionais dos centros cirúrgicos, os quais percebem seu odor O eletrocautério é capaz de produzir partículas corpusculares tão pequenas quanto 0,07μm. Estas são capazes de se deslocarem distâncias de até 100cm. Partículas muito pequenas com diâmetro variando de 0,5 a 5,0μm são classificadas como pós que danificam os pulmões, pois podem penetrar profundamente na árvore respiratória, provocando congestão alveolar, pneumonia intersticial e bonquiolite. Alguns fatores como o tipo de cirurgia, a técnica usada, o tipo e estado dos tecidos (contaminados com bactérias ou vírus), a quantidade de energia usada no eletrocautério (modo de corte, coagulação ou vaporização) influenciam a quantidade e composição da FC. O que norteou a realização deste trabalho foi o questionamento sobre se a FC produzida com eletrocautério durante cirurgias de cesariana oferece algum risco ocupacional aos profissionais do centro cirúrgico. Com este objetivo, buscou-se inicialmente avaliar qualitativamente a composição dos principais componentes da FC, e em seguida, com o auxílio da literatura, identificar os riscos ofertados por estes componentes.
METODOLOGIA:
Durante uma cirurgia cesariana realizada na Maternidade Divino Amor, localizada na cidade de Parnamirim-RN, montou-se um aparato para coletar parte da FC liberada durante o procedimento. Foi usado um eletrocautério monopolar de alta freqüência (ligado no modo corte e coagulação) para cortar os tecidos e coagular os vasos. A coleta da FC foi feita usando-se um tubo estéril de silicone com diâmetro de 1,5cm. Uma das extremidades do tubo estava conectada a uma ampola de vidro de 0,5L com pressão negativa, e a outra extremidade disposta a 3cm de altura (distância) da incisão cirúrgica. Quando do acionamento do eletrocautério, procedia-se a aspiração da FC, a qual ficava armazenada na ampola. A análise da composição da FC foi conduzida usando espectroscopia fotoacústica com laser de dióxido de carbono. A calibração do instrumento foi realizada com ar sintético e o espectro de referência definido previamente. A modulação da intensidade do comprimento de onda dos dois feixes de laser de dióxido de carbono provocou uma forte ativação nos componentes da FC, isto resultou na grafia de picos fotoacústicos específicos dependentes do comprimento de onda usado. A análise e interpretação dos dados foi realizada comparando os gráficos obtidos com espectros de referência de diferentes gases puros, os quais foram identificados com base nos seus maiores coeficientes de absorção de acordo com um banco de dados padrão.
RESULTADOS:
Embora a espectrometria fotoacústica a laser tenha capacidade de fazer uma análise quantitativa da composição da amostra, esta não foi realizada em função das condições da coleta. Assim, uma análise qualitativa foi conduzida em seu lugar. Isto ocorreu em virtude da impossibilidade de coletar toda a FC produzida, devido o volume restrito da ampola usada para coletar a amostra, bem como o risco de prejudicar o bom andamento da cirurgia. Apesar deste inconveniente, a análise qualitativa foi reveladora e demonstrou a presença de algumas substâncias tóxicas que estão listadas a seguir com suas respectivas conseqüências para o corpo humano. -Monóxido de carbono: A presença de monóxido de carbono era esperada, mas é preocupante especialmente em cirurgias laparoscópicas, pois monóxido de carbono produzido pela queima de tecidos concentra-se dentro do peritônio e difunde-se para a corrente sanguínea, onde se liga à hemoglobina formando a carboxihemoglobina (HbCO) e a metahemoglobina (MetHb). O excesso destas duas substâncias pode resultar em hipóxia, devido à reduzida capacidade do sangue em transportar oxigênio. -Acrilonitrila: Exposições curtas a acrilonitrila podem causar irritação ocular, dermatite, náusea, vômito, dor de cabeça e tontura. Já exposições prolongadas tem sido associada à alta incidência de neoplasia. -Cianeto de Hidrogênio: Em uma concentração de 300mg/m3 no ar é capaz de matar um homem em 10 minutos. Sua toxicidade deve-se ao íon cianeto, o qual inibe a enzima citocromo oxidase na mitocôndria bloqueando a respiração celular. Esta substância é a mesma usada nas câmaras de gás nas prisões americanas para tirar a vida de prisioneiros. -Fenol: Os vapores do fenol são corrosivos e tóxicos aos olhos, pele e trato respiratório. O contato prolongado com a pele provoca dermatite e até queimaduras de segundo e terceiro grau. A inalação pode levar ao edema de pulmão, danos ao coração, rins, fígado e ao sistema nervoso central. Além disso, a substância é suspeita de ser neoplásica. -Benzeno: É uma substância sabidamente carcinogênica. Sua inalação em altos níveis pode resultar em morte; em baixos níveis pode provocar tontura, taquicardia, dor de cabeça, tremores, confusão mental, vômito e convulsões. Os órgãos alvos do benzeno são o fígado, rins, pulmões, coração e cérebro. Exposição prolongada ao benzeno danifica a medula e o sistema hematopoiético resultando em anemia e leucemia, bem como depressão do sistema imune. Também provoca danos ao DNA; que resulta em vários tipos de neoplasias. -Tuloeno: Vários efeitos adversos estão associados com a inalação de tolueno, como síndromes psicoorgânica, polineuropatia tóxica, disfunções cerebelar, cognitiva, e piramidal, atrofia óptica e lesões cerebrais. -Cresol: Quando o cresol é inalado, ingerido ou aplicado na pele, mesmo em baixas concentrações pode ser muito perigoso. Os principais efeitos observados são irritação e queimaduras na pele, olhos, boca e garganta, dores abominais e vômitos, danos no coração, fígado e rins, paralisia facial, coma e morte. -Amônia: O odor dos vapores da amônia são muito fortes e irritantes. Durante a exposição a esta substância a água contida nos tecidos produz uma solução de hidróxido de amônia, capaz de provocar queimaduras alcalinas severas nos olhos, pele e vias respiratórias, resultando em edema e morte. O trato gastrointestinal também pode ser afetado se a amônia for ingerida. -Furfural: O Furfural é um gás que pode ser assimilado pelo organismo por inalação ou percutaneamente. O furfural pode provocar destruição da estrutura da membrana olfatória, danos no fígado, levando a necrose, adenomas, e carcinomas após inalação ou ingestão crônica. Age irritando a pele causando eczema, conjuntivite nos olhos, dispnéia e edema nos pulmões, dor de cabeça, fadiga e tremores. Algumas outras substâncias de menor toxicidade também foram encontradas como dióxido de carbono, alguns hidrocarbonetos (etano, propano, buteno) e, evidentemente, água.
CONCLUSÃO:
Este estudo evidenciou qualitativamente a presença de várias substâncias nocivas quando o eletrocautério é usado durante uma cirurgia de cesariana. Estas substâncias figuram como um risco ocupacional em determinadas concentrações, segundo o National Institute of Occupational Safety and Health - NIOSH. Portanto, este trabalho, mesmo sendo uma análise qualitativa, dever alertar os profissionais de saúde para medidas de cautela a fim de reduzir os riscos de contaminação, visto o tempo de exposição e número de cirurgias que estes executam em toda sua vida laboral. Além disso, deve-se levar em conta a possibilidade de contaminação biológica quando da ressecção de tecidos contaminados por vírus e bactérias ou suas partículas, como por exemplo, o DNA. Hallmo e colaboradores publicaram um trabalho relatando a contaminação laríngea de um cirurgião por vírus HPV tipos 6 e 7, quando este usou laser para ressecar as lesões de paciente. Já Matechette e colaboradores mostraram a viabilidade de distribuição aerodinâmica de bactérias ou suas partículas produzidas quando se trata lesões com laser de dióxido de carbono. As máscaras cirúrgicas usadas rotineiramente nos procedimentos não são adequadas para prover proteção contra a FC, uma vez que só capturam partículas superiores a 5μm. Assim, é recomendável o uso de máscaras descartáveis específicas para absorção de vapores orgânicos. Além disso, as salas de cirurgias devem ser equipadas não apenas com sistemas de ar condicionado, mas também com exaustores capazes de retirar os vapores produzidos nas intervenções cirúrgicas com uso de eletrocautério.
Palavras-chave: Vapores Cirúrgicos, Fumaça Cirúrgica, Eletrocautério.