62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 2. Literatura Comparada
MARE ET NAUTA: IMAGENS METAFÓRICAS NA POÉTICA CLÁSSICA E NA LUSO-BRASILEIRA
Ivone da Silva Rebello 1
Eliana da Cunha Lopes 2
1. Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro - SEE-RJ
2. Faculdade Gama e Souza - FGS-RJ
INTRODUÇÃO:

A presente pesquisa tem por objetivo analisar um corpus mínimo de poemas de diferentes épocas e autores, tomando-se por fio condutor a metáfora do mar, procurando, desse modo, descrever, analisar e interpretar o tratamento dado à temática marítima na poética clássica e na luso-brasileira. Nesta abordagem, evocamos quem primeiro pensou a metáfora em termos sistemáticos - Aristóteles (século IV a.C.) -, o qual define essa figura como sendo "a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou da espécie a espécie, ou por via da analogia". (XXI, 332) Partindo-se, portanto, de um estudo sobre as imagens metafóricas do mar, busca-se descrever e interpretar as metáforas marítimas ou oceânicas que condicionam/condicionaram a linguagem poética, além de potencializar as impressões e a expressão do poeta. E, conforme afirma Jacques Derrida (1973:330), "a linguagem é originariamente metafórica. A metáfora é o traço que reporta a língua à sua origem. Épica ou lírica, relato ou canto, a fala arcaica é necessariamente poética. A poesia, primeira forma de literatura, é de essência metafórica".

METODOLOGIA:

No primeiro momento da pesquisa, realizou-se uma revisão bibliográfica, com a finalidade de fundamentar toda a análise textual. A seguir, fez-se um estudo crítico-interpretativo das metáforas atribuídas ao mar, ressaltando como as imagens oriundas dessa "grande extensão de água salgada" se transforma numa rica e poderosa figura de linguagem, pois "a metáfora é a mais importante das 'figuras de palavras'. É muito mais. Também é criação linguística, é conhecimento de realidades, é mudança de sentido". (CASTRO, 1978: 12) A seguir, analisou-se como a imaginação humana cria metáforas a partir das diferentes imagens do mar, as quais vão adquirir um papel importante na estruturação dos poemas. A abordagem teórica foi calcada em autores diversos, como: Aristóteles, Quintiliano, Curtius, Vianu, Derrida, Filipak, Kristeva e outros, nos quais permanece a ideia de que a metáfora é transferência de sentido de um conceito a outro. Em suma, considerou-se aqui o conceito tradicional de metáfora como "recurso figurativo", a qual é estudada "em literatura como uma técnica de poetas para expressar sentimentos e também como um traço particular que ajuda a definir o estilo de um escritor". (SARDINHA, 2007: 22-23)

RESULTADOS:

A metáfora tem sido muito discutida tanto na área da estilística literária quanto na da filosofia, da linguística e da semântica. No entanto, notamos que a metáfora inclina-se mais para a criação literária, em especial, a poesia, daí ser considerada a figura eminentemente "poética". Assim, ao estabelecermos um estudo histórico-interpretativo, observamos que, desde Aristóteles até os dias atuais, a metáfora vem sendo descrita com o mesmo modelo, modificando-se apenas no que se refere à nomenclatura, ou seja, permanece a ideia de que metáfora é transferência de sentido de um conceito a outro. E, os textos poéticos são produzidos com uma linguagem marcada pelo sistema metafórico que estrutura o nosso pensamento, pois o poema é feito de palavras, as quais representam para o poeta signos e coisas e a ação possível dessas coisas. Daí, neste ambiente natural - o mar -, "o poeta torna-se marinheiro, e seu espírito, ou sua obra, o barco". (CURTIUS, 1996: 178) Dentro da mesma ótica, Parker (2000:79) nos chama a atenção ao entender a poesia como "discurso metafórico" e afirma: "Se a poesia pode ser definida como discurso metafórico, entende-se que a metáfora não será um simples ornamento para avivar um trecho de prosa versificada. Faz parte do próprio processo do poema e do que se convencionou chamar de pensamento poético. As metáforas não  são, decididamente, expressões isoladas dentro do poema, e sim fórmulas integradas e integrantes. O inesperado da metáfora não provém de surgir ele fora de lugar e sim da originalidade da combinação conseguida dentro da rede de sentidos que constituem o poema".  

CONCLUSÃO:

Concluímos, portanto, que singrar os mares, viver aventuras e perigos nesta "imensa extensão de água salgada", neste espaço fantástico, misterioso, mutável e belo, espaço de meditação, sempre se constituiu como tópos literário e um lugar complexo em qualquer poema, o qual tem desafiado estudiosos e críticos da literatura. Em nosso estudo crítico-interpretativo, analisamos o mar de Virgílio, no qual seu herói Eneias, "durante muito tempo, sobre a terra e sobre o mar, foi joguete da potência dos deuses"; o mar de Ovídio, que o leva para o exílio, arrastando-o com uma forte tempestade que o faz pensar "o mar extinguirá esta vida, e recebo as vagas que me matarão", pois "meu corpo é sacudido no mar imenso"; o mar de Horácio, cujas ondas o deixam perplexo e o faz exclamar: "Ó nau, de novo, ao largo mar te levam as ondas!"; o mar dos trovadores das "ondas do mar de Vigo"; das descobertas portuguesas, cantado por Camões "por mares nunca d'antes navegados"; de Fernando Pessoa, "lágrimas de Portugal"; de Sophia Andresen e seu reencontro com o mar: "Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar".; o mar da costa brasileira, dos jangadeiros do nordeste; o mar religioso de Gonçalves Dias com seu naufrágio trágico nas costas do Maranhão: "Oceano terrível, mar imenso de vagas procelosas que se enrolam"; de todas as canções do exílio; o mar de "legiões de homens negros como a noite" confinados nos navios negreiros; de Castro Alves, indignado com a escravidão: "Ó mar, por que não apagas/ Coa esponja de tuas vagas/ De teu manto este borrão?"; o mar interior de Vicente de Carvalho, que cantava maravilhado os encantos da terra brasileira: "Mar, belo mar selvagem/ das nossas praias solitárias!"; de Carlos Drummond, homem planetário, montanhês, onde o mar é passagem circunstancial: "O mar entra no living mal a primeira tinta do dia se define"; o mar de Manuel Bandeira "mar que ouvi sempre cantar murmúrios"; de João Cabral, homem agreste, "o que o canavial aprende do mar"; de Vinícius de Moraes, que compara a mulher ao mar: "Que imensa és tu! Maior que o mar..."; o mar tangível e mítico de Cecília Meireles, que "foi desde sempre o mar que baralha seus altos contrastes"; o mar de tantos poetas anônimos que tiveram que se curvar diante de tamanha beleza:"Oceano majestoso, Oceano rei dos mares" (manuscrito zincogravura da Biblioteca Nacional - poeta anônimo). Enfim, de qualquer modo, as expressões metafóricas do mar e a sua descrição refletem a intenção do poeta em manifestar a sua emoção, a sua maneira de ver e avaliar os fatos, os acontecimentos à sua volta, como também estabelecer um juízo de valor acerca de tudo. O mar, com seus mistérios e simbolismos, sempre foi um espaço propício a reflexões poéticas.

Palavras-chave: Poesia clássica e luso-brasileira, Metáfora, Análise textual crítico-interpretativa.