62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 4. Direito Constitucional
A COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE "INTERESSE LOCAL" SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO "CASO DOS SHOPPINGS"  
Maria Alice Pinheiro Nogueira 1
Paulo Sávio Peixoto Maia 2
1. Universidade de Fortaleza- UNIFOR
2. Prof. Mestre/Orientador- Universidade de Fortaleza - UNIFOR
INTRODUÇÃO:

A arquitetura jurídica que um sistema federal assume em determinado Estado depende de como se dá a repartição de competências entre os entes políticos. Essa repartição determina a autonomia financeira, administrativa e, sobretudo, política dos entes federativos. Com efeito, a Constituição moderna (em sentido formal) possibilita tal maneira de organização regional do poder, porquanto se traduz na qualidade de fonte primária de solução dos conflitos que possam surgir entre os entes federais. É também certo que a Constituição não fala por si só. Exatamente por isso, a atividade de aplicação das normas que demarcam as competências federais acaba por assumir relevo nada desprezível: em especial, no que diz respeito ao desempenho judicial do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem compete julgar conflitos federativos. Nesse sentido, esta pesquisa objetiva problematizar de que modo o STF interpreta o pacto federativo; assim o faz quando perquire os traços que delineiam o instituto da competência por "interesse local", atribuída ao Município. Como guia para essa tarefa, foram examinadas decisões do STF que suspenderam o efeito das leis municipais sobre isenção de cobrança por uso do estacionamento em shopping centers. Tratar-se-iam essas decisões de mitigações da competência municipal?

METODOLOGIA:

Para a condução da presente pesquisa, valemo-nos do método bibliográfico, uma vez que foram utilizados livros, artigos de periódicos especializados, capítulos de livros coletivos e dissertações de mestrado pertinentes ao tema, tanto no que toca à doutrina nacional quanto estrangeira. O método monográfico também nos foi útil, visto que, com base nele, foi agrupada e catalogada a bibliografia selecionada. A consulta ao material jurisprudencial, por meio do método do caso (case law), se mostrou igualmente interessante para apreender de que modo o STF entende o instituto da competência por interesse local. A partir da confluência desses métodos, o trabalho se encontra em fase final de redação.

RESULTADOS:

O exame da dogmática constitucional demonstra que existe uma postura de conceber o ente central da Federação, a União, como sendo o único ente capaz de solucionar os problemas constitucionais brasileiros. Assim, parece haver uma continuidade "espiritual" entre a doutrina pós-Constituição de 1988 e a doutrina do autoritarismo constitucional do Regime Militar (Constituição Federal de 1969). Isso é comprovado na medida em que o Município é descrito como uma espécie de "poder infante", um ente político que, supostamente, não estaria em condições de conviver com a liberdade democrática. Tal entendimento é abordado implicitamente na doutrina pós-1988 quando a competência por interesse local é comentada. Doutrina e jurisprudência, então, convergem. As decisões do STF, desse modo, parecem valorar-se em desfavor da competência municipal. Em caso paradigmático, a Lei 9190/07, do Município de Fortaleza, concernente à proibição da cobrança de estacionamento pelos shopping centers aos clientes que efetuarem compras no seu interior, teve sua eficácia suspensa judicialmente por decisão que seguiu a linha dos julgamentos anteriores de matéria semelhante no STF, sob o argumento de que feriu a competência da União para legislar sobre direito civil, pois trataria de direito de propriedade.

CONCLUSÃO:

Por meio da análise jurisprudencial, vislumbramos, de forma expressa, uma concepção que é muito própria do federalismo nacional: os Municípios são poderes em "vias de amadurecimento", necessitando, por isso, de uma "tutela".  É notório que, do regime de 1964 para o regime de 1988, a mudança refere-se apenas ao tutor: da União e do Executivo Federal, passou-se para o STF. Efetivamente, pela Lei 9190/07, vimos uma norma amplamente legítima sendo declarada inconstitucional pelo fato de supostamente ferir a competência federal para legislar sobre direito civil. Ao argumento de ser o shopping  propriedade privada, seguiu-se a equívoca conclusão de que uma norma disciplinadora do uso da propriedade é sempre direito civil. Quando, na verdade, sabemos que a propriedade deve seguir sua função social e que, por isso, pode ser regulada por normas administrativas, de competência do Município, portanto. O equívoco desse entendimento do STF de tutelar os municípios é o de desconsiderar que a cidadania não admite tutores; que a tutela, ao pretexto de proteger, elimina precisamente aquilo que pretende preservar. E, com isso, os municípios são conservados na eterna condição de infante constitucional. O vir-a-ser autônomo, desse modo, torna-se uma promessa constitucional inconsequente.

Palavras-chave: Federalismo, Município, Competência.