62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 2. Sociologia do Conhecimento
OS USOS SOCIAIS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS - UMA ANÁLISE DO TRABALHO DO CIENTISTA SOCIAL FORA DO MEIO ACADÊMICO
Fernanda Cristina de Carvalho Mello 1
1. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp- Depto Sociologia
INTRODUÇÃO:

"Quais são os usos sociais da ciência? É possível fazer uma ciência da ciência?" - São essas as perguntas fundamentais de Pierre Bourdieu em sua obra "Os usos sociais da ciência". A grande questão que se coloca é uma discussão dos papéis da ciência perante a sociedade e quais são os usos que os agentes/sujeitos fazem dela.

A ciência deve estar submetida ao funcionamento das leis da sociedade ou deve ter autonomia em seus trabalhos? Adotando o conceito de campo científico de Bourdieu, procuramos, neste trabalho, discutir o grau de autonomia do cientista social e o grau de inserção de sua disciplina e conhecimento dentro da sociedade, seja na universidade - em atividade docente ou pesquisa - seja fora do âmbito acadêmico. Neste caso específico, estudaremos os antropólogos e sociólogos que estão inseridos no mercado publicitário, junto aos institutos de pesquisa. Como é utilizada a fortuna crítica por parte dos cientistas sociais para detectar comportamentos de consumo e de que maneira esses profissionais articulam sua formação teórica e a ação na vida profissional?

A partir daí, há a possibilidade de se fazer uma abordagem reflexiva por parte do cientista e um exame crítico do papel da ciência, ademais, neste caso particular, das ciências sociais e seus usos.

METODOLOGIA:

O aporte teórico e referência principal é a obra "Os usos sociais da ciência" de Pierre Bourdieu. O debate se dá em torno da noção de campo cientifico, que, segundo o autor, está colocado como um "universo intermediário entre autonomia total e submissão às leis sociais", estando então a ciência colocada em um campo relativamente autônomo e constituída por agentes que ocupam posições específicas e possuem um capital científico caracterizado pelo poder político que está ligado à ocupação nas instituições, e o poder específico - ligado ao prestígio dado pelos pares. Portanto, a estratégia de um indivíduo científico comporta uma dimensão política e uma dimensão científica e o peso dado a cada uma delas varia conforme a posição do sujeito e o campo de atuação.

Nesta pesquisa, os sujeitos participantes são cientistas sociais que trabalham com publicidade, especificamente aqueles que trabalham em agências de pesquisa; exercendo a função de detectar estilos de vida e comportamentos sociais. A metodologia parte para entrevistas qualitativas, a fim de verificar as posições dos antropólogos e sociólogos perante as seguintes questões: o cientista social que trabalha com publicidade está sujeito a quais poderes e em quais dimensões? Ele está inserido no campo econômico ou científico?

RESULTADOS:

Desenvolvemos uma perspectiva informada pela obra de Bourdieu para argumentar que a ciência realmente encontra-se num campo específico e que sofre sim pressões externas e coerções sociais, mas também possui certo grau de autonomia em sua ação. Nos reportando ao caso específico do cientista social e da Sociologia, que segundo Bourdieu "tem uma posição inteiramente singular (...): é um revelador para as outras ciências, porque ela se confronta de maneira mais visível, mais crítica, (...) com problemas que as outras ciências podem fingir ter resolvido", o papel do cientista social fora da área acadêmica acaba indo de encontro com a interdisciplinariedade e não está delimitada a apenas um campo, conforme Bourdieu separa: ou o campo econômico ou o campo científico.

O que ocorre neste caso dos cientistas sociais que trabalham com pesquisa na área de publicidade é que eles estão inseridos concomitantemente nos dois campos: econômico E científico, e, portanto, estão à mercê do sistema capitalista, que dita as regras do seu trabalho, mas, por outro lado, usam o conhecimento teórico da forma que desejam para realizar o procedimento de pesquisa.

CONCLUSÃO:

Diante do que está colocado, o papel das ciências sociais fora do meio acadêmico deve ser compreendido no âmbito de dois campos: econômico e científico, já que é a sociologia - uma ciência - quem oferece o aporte teórico para que o cientista social execute seu trabalho em um instituto de pesquisa, por exemplo. A sociologia oferece instrumentos para que o mercado publicitário continue se desenvolvendo, e de uma certa maneira, o sistema capitalista também. A sociologia - um campo científico - pode ter, dentre tantos outras funções, uma instrumentalização aplicada ao campo econômico. Fica então colocadas as conseqüências dos usos das ciências, cabendo ao agente fazer uso de seu conhecimento, utilizando seu capital científico da maneira que deseja. Localizado nesta intersecção entre campos, o sociólogo e o antropólogo que trabalha com publicidade também está inserido em um campo específico, diferente entretanto destes dois últimos campos. É da sua especificidade que deve-se avaliar o trabalho: "Os desafios não são os mesmos, os fins não são os mesmos, os agentes têm filosofias de vida inteiramente diferentes, e até opostas." (Bourdieu:1997) Mesmo condicionado às leis sociais, cabe ao agente científico o processo reflexivo sobre suas funções, os usos e efeitos sociais de seu trabalho.

Instituição de Fomento: CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Palavras-chave: Ciências Sociais, Epistemologia, Campo científico.